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Imigrantes no limbo em um centro de detenção | Fotos: de Tyler Hicks/
Imigrantes no limbo em um centro de detenção| Foto: Fotos: de Tyler Hicks/

Os dois meninos eritreus, ambos de oito anos, haviam passado dias atravessando os desertos da Etiópia, do Sudão e da Líbia na boleia de um caminhão, na companhia de outras duas crianças e uma dezena de adultos.

Em seguida, passaram um mês numa lotada casa usada por traficantes como curral para guardar sua carga humana.

Finalmente, um bote de borracha transportou os dois meninos, Hermon Angosom e Efrem Fitwi, até um barco pesqueiro abarrotado com mais de 200 pessoas, incluindo 39 crianças —a mais nova delas com dois anos de idade, nos braços da mãe. Os dois choravam. “Estávamos com medo do barco”, disse Hermon.

Os meninos eram parte do incessante fluxo de migrantes árabes e africanos que são sacudidos pela ilegalidade da Líbia pós-Gaddafi e atirados no Mediterrâneo —foram mais de 170 mil pessoas em 2014, e o número deve se manter ou crescer.

A viagem atravessa um Estado falido onde a segurança nas fronteiras é inexistente, a corrupção é desenfreada, a Guarda Costeira raramente sai do porto e as operações de tráfico humano, cada vez mais insensíveis e ousadas, se proliferam.

Imigrantes no centro de detenção de Zawiyah; 170 mil tentaram cruzar o Mediterrâneo em 2014

O tráfico de pessoas que sai da Líbia e cruza o Mediterrâneo movimentou US$ 170 milhões (R$ 510 milhões) no ano passado, segundo relatório da ONU.

Desde a derrubada de Muammar Gaddafi, em 2011, milícias antagônicas se transformaram na única lei no país.

Os traficantes de seres humanos não têm “nada a temer”, como disse um deles, porque a segurança ao longo da costa desapareceu. E as mortes no mar não reduziram a procura pela travessia.

Migrantes africanos que vieram para cá fazer trabalhos braçais agora estão desesperados para saírem da Líbia, por causa dos combates letais entre as milícias, do quase colapso econômico e dos rotineiros roubos e abusos cometidos pelos milicianos contra africanos de pele escura.

Outros migrantes, vindos de toda a África, pagam a traficantes no deserto para levá-los até a costa da Líbia, à espera de uma chance de chegar à Europa e à vida melhor que imaginam existir por lá.

A maioria é transportada através da Líbia por bandos armados, sob a proteção de milícias. Alguns não conseguem ir além do mar territorial líbio e terminam enredados em um limbo infernal, incapazes de voltar para casa e retidos no caos do país. Muitos não têm nem essa sorte.

Cerca de 1.750 dos aproximadamente 25 mil migrantes que tentam chegar à Itália vindos da Líbia nas primeiras semanas deste inverno no hemisfério Norte se afogaram, segundo a Organização Internacional para as Migrações.

A cifra inclui as mais de 700 vítimas de um naufrágio em abril. A taxa de mortalidade chega a mais do que o triplo do ano passado. Mas muitos ainda pagam por essa oportunidade, segundo dois traficantes ouvidos para esta reportagem.

“Os africanos estão vendo a morte diante dos seus olhos” por causa dos abusos e da violência por parte das milícias líbias, disse um traficante. “Mesmo se houver uma chance de 99% de eles morrerem no mar, ainda assim eles vão, porque estão simplesmente cansados.”

Os traficantes estão se tornando cada vez mais cínicos com relação à sua carga humana. “A maioria dos traficantes não liga para Deus”, disse o traficante, “então eles simplesmente atiram um monte de migrantes dentro do barco —quanto mais, melhor para eles”.

Traficantes e imigrantes disseram que o objetivo da viagem era serem resgatados por um navio europeu em águas internacionais —e não atingir a costa italiana.

Eles opinaram que o aumento do número de patrulhas, conforme a União Europeia prometeu, dificilmente bastará para conter o fluxo. “Uma força no mar só irá salvar os imigrantes”, disse um traficante. “O problema está nos portos da Líbia.”

Mas a Guarda Costeira líbia é praticamente inútil. Seus funcionários dizem que defeitos nos equipamentos os impediram de realizar operações durante mais de três meses, e pelo menos um capitão afirmou temer represálias dos traficantes.

Alguns partem da orla de Trípoli, não muito longe da base da Guarda Costeira, usando botes para transportar os imigrantes até navios que os esperam.

O motor do barco que transportava os meninos eritreus Hermon e Efrem rateou quase imediatamente, segundo adultos que estavam a bordo. Os imigrantes flutuaram no mar durante sete horas, até que um barco pesqueiro líbio os localizou.

Desde então, os meninos vivem entre três dezenas de crianças eritreias sem família, com idades entre 8 e 16 anos, num centro de detenção instalado em uma antiga escola.

Todos dormem em colchonetes finos sobre o chão de concreto, em uma sala vazia e mal iluminada, e usam uma privada primitiva.

Funcionários da prisão dizem que eles podem sair durante duas horas por dia, após cada uma das três refeições básicas —arroz ou macarrão, eventualmente com um pedaço de batata ou carne, mas nunca frutas ou hortaliças.

No ponto mais próximo, o extremo oeste da costa líbia fica a cerca de 460 quilômetros da ilha de Lampedusa. Há anos muitos sonham em fazer essa travessia, mas sob o regime de Gaddafi, contam os traficantes, o preço da viagem chegava a US$ 5.000 por pessoa, por causa do custo de burlar —ou, mais provavelmente, de subornar— as forças de segurança.

Recentemente, o preço caiu para em torno de US$ 1.600. Amontoar 200 imigrantes ou mais num barco significa faturar pelo menos US$ 320 mil, mas os traficantes insistem que há um custo elevado. “Tudo é caro”, justificou um deles.

O transporte terrestre de imigrantes exige um suborno superior a US$ 100 por posto de controle das milícias. Um traficante pode gastar até US$ 5.000 por mês para alugar uma casa onde os migrantes são alojados enquanto esperam para partir.

E um chefe de milícia cobra cerca de US$ 20 mil por mês para permitir o uso de um local seguro de onde os barcos possam zarpar.

Um egípcio ou tunisiano que pilote o barco pode ganhar de US$ 5.000 a US$ 7.000 por mês. Cerca de US$ 800 compram um telefone via satélite que o capitão usa para chamar a Cruz Vermelha quando o barco chega a águas internacionais, para acelerar o resgate pela Guarda Costeira italiana.

Os dois traficantes riram da ideia de que alguma autoridade líbia possa detê-los. “Tudo é aberto – os desertos e os mares”, disse outro traficante, que atua em Trípoli.

Migrantes apanhados em águas líbias são enviados a uma rede de prisões improvisadas, oficialmente para aguardar o repatriamento aos países de origem. O Senegal já levou 400 de volta.

Mas as autoridades encarregadas desses centros dizem que muitos países fecharam suas embaixadas na Líbia ou simplesmente negligenciam seus imigrantes. A Eritreia os considera criminosos.

No centro de detenção de Zawiyah, Hermon e Efrem relataram que fugiram de casa sem avisar os pais. Irmãos deles que já haviam feito a viagem para a Itália pagaram para trazer as crianças.

Perguntados sobre se tinham intenção de voltarem para a casa dos pais, a resposta dos dois foi unânime. “Queremos ir para a Itália”, disseram.

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