Os vizinhos fizeram fila, sorrindo e falando baixinho, quando a van encostou trazendo Jattu Lahai e sua filha de dois anos.
Ninguém se adiantou para abraçá-las; ninguém se afastou do grupo de trinta e poucas pessoas enquanto Jattu, sobrevivente do ebola, entrou no quarto que divide com o marido. Um espaço enorme se formou à volta da moça de 26 anos de rosto tranqüilo e sua filhinha, também sobrevivente, sentadas em um banco.
"Quando fiquei doente, todo mundo me abandonou", conta ela, de volta pela primeira vez ao quarto escuro desde que foi levada, duas semanas antes, para a viagem de que a maioria não volta. Chorando baixinho, enxugou as lágrimas na barra do vestido e murmurou uma oração. "Não achava que fosse voltar para casa", suspira, afagando a filha, Rosalie.
Aqui, na zona do ebola, o mundo está dividido em três: os vivos, os mortos e aqueles que estão no meio. Para os que tiveram a sorte de sobreviver, voltar ao lar é uma luta completamente diferente.
Essa experiência da volta para casa pela qual passou Jattu, quase sempre silenciosa e fria, vem sendo compartilhada por muitos sobreviventes da epidemia que varre a África Ocidental. Segundo a Médicos Sem Fronteiras, menos de vinte por cento dos pacientes de ebola tratados na barraca que faz as vezes de centro clínico de Kailahun sobrevivem. Quando vão para casa, poucos são recebidos calorosamente, com abraços e danças, mas outros, como Jattu, sentem o peso da desconfiança, ou coisa pior. Em alguns lugares, dizem os enfermeiros, os vizinhos chegam a fugir.
"Quanto tempo o vírus vive?", perguntou um jovem aos assistentes que levaram a moça e a menina para casa.
"O que consegue matá-lo?", outro exigiu.
"Como vocês conseguem curar?", questionou o terceiro. Serra Leoa tem o maior número de casos de ebola: são mais de 800. Em alguns lugares, qualquer associação com uma das nações afetadas Libéria, Guiné e Nigéria são as outras é suficiente para gerar desconforto e ostracismo.
Há dez anos MacQueen Farley vive em um campo de refugiados em Gana, país que ainda não foi atingido pela epidemia; lá ela ganha a vida trançando cabelo, serviço por que cobra US$3/pessoa, mas porque nasceu na Libéria, percebeu que está ficando complicado encontrar clientes e até a viagem de ônibus à cidade está difícil desde o início do surto em sua terra natal.
"Às vezes vou à feira para comprar comida e encontro dificuldade até para pagar. Tem muita gente que põe saco plástico na mão para pegar o dinheiro que estou oferecendo", ela conta.
Jattu disse que ficou em casa, com forte diarreia, durante três dias antes de ser levada às pressas para a área de isolamento da cidade de Daru. E explica que foi contaminada pelo marido, Lahai Kallon, um professor de 32 anos que pegou a doença ao comparecer a um enterro.
Foi quando os profissionais de saúde, protegidos, chegaram para levá-la ao centro de tratamento da Médicos Sem Fronteiras em Kailahun. "Eu estava apavorada. Achei que fosse morrer".
Seu marido também sobreviveu. Pelo menos outras dez pessoas voltaram para Daru, informa Ella Watson-Stryker, uma das agentes da instituição que ajudaram a levar Jattu de volta para casa.
A moça continuava sentada sozinha no banco, abraçada à filhinha, ao lado do marido. Ele não a abraçou, como também não o fez sua irmã mais velha. Os dois enfermeiros tiveram que explicar aos parentes e vizinhos que não havia motivo para medo.
Talvez a presença deles, com seus aventais brancos, tenha ajudado Jattu a recuperar a credibilidade. "Contanto que vocês estejam por perto, não vamos ter medo", afirmou o pastor Sakpa Sawi, sentado a 3 m de distância.
"Não estávamos esperando que se recuperassem; não são muitos os que sobrevivem. Estamos felizes", concluiu o professor Mohammed Kpande Yenge.
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