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Desastre é visto como assassinato

Apenas quatro dos sobreviventes estavam lá. Dois grupos de irmãos palestinos, à deriva no mar Mediterrâneo. Os irmãos Awadallah estavam delirando. Mohammed via vampiros e Ibrahim tentava tirar seu colete salva-vidas, imaginando-se em casa, em Gaza. Ao lado, Mamoun Doghmosh, de 27 anos, segurava seu irmão, Amin, de 24, que estava tendo alucinações. Quase quatro dias se passaram desde que o barco superlotado de migrantes virou no dia 9 de setembro, após ser abalroado por outro navio em uma aparente disputa entre traficantes. Estima-se que pelo menos 300 pessoas que tentavam chegar à Europa tenham morrido. Para esses poucos que sobreviveram, a lembrança permanente é a crueldade dos traficantes.

"Queriam nos matar", disse Mohammed Awadallah, de 23 anos. "Eles nos cercaram, rindo de nós". O contrabando de refugiados e migrantes através do Mediterrâneo para a Europa tornou-se um negócio extremamente rentável, se não mortal, com possivelmente mais de 3.000 pessoas tendo morrido até agora neste ano. Um funcionário das Nações Unidas estima que, em 2014, os contrabandistas nessas rotas acumularam mais de US$ 1 bilhão.

A viagem dos irmãos Awadallah e Doghmosh — envolvendo uma elaborada rede de contrabandistas, motoristas de ônibus e abrigos — ilustra a rapidez com que essas rotas de tráfico humano se fortaleceram em resposta à agitação no mundo árabe. Para cada um dos quatro homens que tentavam chegar até seus parentes na Suécia, o custo foi de aproximadamente US$4.000. "Esse é o preço que Abu Sharaf cobra", disse Mohammed Awadallah. Várias pessoas identificaram Abu Sharaf Al-Armindo Monteiro como contrabandista. Seu primo, Samir Al-Armindo Monteiro, disse que Abu Sharaf estava conectado com contrabandistas no Egito, que providenciavam transporte e abrigos através do Sinai até a costa egípcia e, finalmente, aos botes.

Os palestinos podem entrar legalmente no Egito pela fronteira em Rafah. Os que tentam chegar à Europa geralmente compram um visto egípcio falso e fogem através de túneis. Os Awadallahs passaram três horas rastejando e nove horas esperando por um sinal do lado egípcio para sair. Lá, um contrabandista abriu a escotilha, mesmo quando guardas de fronteira egípcia começaram a atirar. "Ele começou a gritar, ‘Corre! Corre! Corre!’", lembrou Mohammed Awadallah. Eles correram até que os contrabandistas os empurraram para dentro de um carro. Por dias, eles foram transportados, até que finalmente chegaram a um prédio com centenas de migrantes em uma cidade que acreditam ser Alexandria.

Até um milhão de migrantes estavam escondidos na costa norte de África, da Líbia até o Egito, durante os meses de pico do verão, à espera de barcos. Os irmãos Awadallah e Doghmosh dizem ter usado um grupo de tráfico chefiado por Abu Hamada. Durante os três dias que se seguiram, eles passaram por uma sucessão de barcos, cada um mais cheio que o anterior. "Nos trataram como animais", disse Mohammed Awadallah.

Por fim, um velho barco de madeira ainda menor apareceu. Os irmãos contaram que o comandante ligou para o chefe no Egito para reclamar da falta de segurança do barco. Foi no dia 9 de setembro. Outro barco apareceu, com uma tripulação egípcia que começou a gritar com o capitão e a atirar objetos de metal contra ele. Em seguida, o barco maior parou ao lado e virou, investindo contra o casco do barco dos migrantes, afundando-o.

Logo, corpos flutuavam na água, e os sobreviventes agarraram coletes salva-vidas. Mamoun Doghmosh procurou desesperadamente por seus sobrinhos. Ambos morreram. Nos próximos três dias, o grupo foi diminuindo progressivamente. Algumas pessoas se dividiram em grupos menores e flutuaram para longe. Duas foram mais tarde encontradas e levadas para Itália; mais alguns sobreviventes foram resgatados e levados para Creta. "Toda mundo estava falando e gritando e imaginando coisas", disse Mohammed Awadallah. No dia 12 de setembro, apenas os Awadallahs e os Doghmoshes sobreviviam.

Finalmente, viram uma luz. O navio petroleiro Antarctica havia recebido uma chamada do resgate maltês que forneceu coordenadas para que se unisse ao grupo de resgate de um barco de migrante que havia virado. Os irmãos foram trazidos a bordo, mas apenas três sobreviveram. Amin Doghmosh faleceu. Hoje, os três sobreviventes estão vivendo em um centro de migrantes e presos no limbo burocrático em Malta. Querem chegar a um país que vai lhes dar asilo. "Precisamos de apoio", disse Mamoun Doghmosh. "Precisamos de ajuda". Mamoun falou com sua família em Gaza, e os parentes perguntaram sobre Amin e os sobrinhos jovens. "Não posso contar. O que vou dizer?"

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