Kim Ryen-hi, 45, costureira, diz que sua deserção para a Coreia do Sul há quatro anos foi um terrível engano. Segundo ela, desde que chegou aqui, ela tenta voltar para o Norte para ficar com seu marido, sua filha e seus pais. Mas seus esforços só lhe causaram mais problemas, incluindo a prisão, condenada por espionagem.
“A liberdade e as atrações materiais de todo tipo não são tão importantes para mim quanto minha família e meu lar”, disse Kim em Seul. “Quero voltar para minha maravilhosa família, mesmo que eu morra de fome.”
Agora, é o governo sul-coreano que não a deixa partir. As autoridades, embora manifestem simpatia por sua dificuldade, dizem que, como uma condenada em liberdade condicional, ela não tem direito a um passaporte. Além disso, Kim tornou-se cidadã sul-coreana quando chegou, e é ilegal ajudar um cidadão a fugir para o Norte inimigo.
A história improvável de Kim começou em 2011, quando ela viajou à China para visitar parentes e se tratar de um problema no fígado. Lá, segundo ela, conheceu um intermediário que disse que sabia como levá-la à Coreia do Sul, onde poderia ganhar muito dinheiro em poucos meses e retornar à China.
Apesar de ser casada com um médico em Pyongyang, a capital da Coreia do Norte, e ter um bom padrão de vida pelos critérios locais, Kim disse que acreditou no traficante, pensando que assim poderia pagar suas contas médicas. Antes de chegar ao Sul, percebeu que foi uma má ideia. Mas os traficantes já haviam confiscado seu passaporte.
“Eu também temi que, se fosse apanhada sem passaporte e deportada de volta para o Norte, eu seria descoberta e tratada como uma traidora por tentar fugir para o Sul”, disse ela. “Pensei que minha melhor chance era chegar ao Sul, onde esperava que os coreanos me compreendessem e me ajudassem a voltar para casa.”
Quando ela chegou à Coreia do Sul, começou a pedir permissão para retornar ao Norte. Mas o Sul não tem procedimentos para enviar desertores de volta. Ela pôde deixar o centro de interrogatório somente depois de assinar um documento renegando o comunismo e concordando em se tornar uma cidadã do Sul.
Temendo que sua ausência de casa já tivesse causado dificuldades a sua família, ela recorreu a medidas desesperadas.
Encontrou-se com um contrabandista que queria enviá-la como passageira clandestina. Telefonou para um consulado norte-coreano na China e pediu ajuda. Quando lhe negaram o passaporte sul-coreano, ela tentou forjar um. Kim disse que então começou a coletar dados pessoais de outros desertores no Sul. “Eu pensei tolamente que, se eles acreditassem que eu estava espionando, me deportariam como traidora”, disse.
Em julho do ano passado, Kim foi presa e acusada de espionagem e falsificação de passaporte.
No julgamento, disse ao tribunal que o consulado da Coreia do Norte a havia instruído a espionar e que ela havia transmitido dados para um agente comunista durante uma partida de futebol entre as duas Coreias em 2013.
Ela foi condenada a dois anos de prisão. Em abril, depois de servir nove meses, um tribunal de apelação suspendeu sua sentença. Ela foi libertada condicionalmente e mantida sob vigilância. “Há motivos para se acreditar que ela não era uma espiã típica”, disse o tribunal em sua decisão.
O caso de Kim não chamou muito a atenção na Coreia do Sul, onde sua história é apenas mais uma, triste e estranha, numa terra onde milhares de famílias estão divididas desde a Guerra da Coreia nos anos 1950. Kim, que hoje trabalha em uma usina de reciclagem em Yeongcheon, ainda declara seu amor pelo Norte, o que não a torna simpática no Sul, mas que talvez seja um artifício para proteger sua família em Pyongyang.
A única esperança de Kim voltar para casa é um acordo entre os dois governos. A Coreia do Sul tem uma política contra repatriar espiões condenados, o que só fez duas vezes, em 1993 e 2000, como parte de negociações bilaterais.
“Eu nunca havia imaginado que confiar no intermediário causaria tantos problemas”, disse Kim. “Uma coisa que aprendi é como os norte-coreanos são ignorantes sobre como as coisas funcionam no Sul, assim como os do Sul não entendem o Norte.”