• Carregando...
 | FOTOgrafias ACIMA, À ESQ., E ABAIXO, à DIR., POR Wissam Nassar  PARA The New York Times
| Foto: FOTOgrafias ACIMA, À ESQ., E ABAIXO, à DIR., POR Wissam Nassar PARA The New York Times
  • Belal Khaled, em seu estúdio em Gaza, descobre símbolos na fumaça criada pelos bombardeios

As imagens de tantas casas destruídas, de tantas explosões de bombas e de tantos corpos em mortalhas podem começar a se fundir de maneira indistinta. Todavia, Belal Khaled, um jovem fotojornalista e pintor local, via símbolos e histórias na fumaça ao seu redor.

Primeiramente, em uma nuvem negra que manchava o céu azul em uma praia, ele viu indícios de um nariz proeminente, um bigode grosso e cabelos despenteados, "como se fosse um velho observando a situação em Gaza", disse Khaled. Depois, na foto feita por um amigo de uma nuvem de fumaça mais alta e rala, ele viu um punho com o dedo indicador estendido, um gesto feito por muçulmanos quando dizem "não há outro deus senão Alá". Usando Photoshop, Khaled acrescentou algumas linhas simples para salientar esses ícones ocultos e postou sua obra de arte no Facebook, onde ela foi partilhada e "curtida" milhares de vezes.

"Os artistas veem coisas invisíveis para os outros", afirmou Khaled, 23, que trabalha em uma agência de notícias turca.

Provavelmente, enquanto houver guerra, haverá artistas cujas interpretações do campo de batalha são úteis para uma compreensão cultural do conflito.

Em Gaza, onde há escassez de materiais para artistas e a liberdade de expressão muitas vezes é reprimida, o conflito acirrado que começou em 8 de julho desencadeou uma onda de criatividade impulsionada por redes de mídias sociais, que têm sido um instrumento básico na guerra de propaganda paralela entre os que apoiam os militantes palestinos e os defensores da posição de Israel.

Pelo menos seis artistas, alguns distantes de Gaza, puseram em circulação desenhos como os de Khaled, feitos em cima de fotos das explosões de bombas israelenses. (A maioria desses artistas afirma ter sido pioneira nisso.) Outros postaram pinturas mais explícitas de morte, destruição, foguetes e aviões de guerra, peças gráficas cruas com slogans estridentes, manipulações digitais e charges políticas. Entre os mais interessantes está uma série de mash-ups (fusões) de Basel Elmaqosui, combinando telas clássicas com cenas de rua.

Elmaqosui inseriu "Os Jogadores de Cartas" de Cézanne em uma foto de homens jogando cartas sobre um cobertor em uma das escolas da ONU que abrigaram milhares de moradores deslocados durante semanas. Ele pôs "Criança com Pomba" de Picasso ao lado de uma pomba real —ou talvez um pombo branco— empoleirada em um dos únicos muros que restam no vilarejo destruído de Khuza’a, em frente a uma bandeira palestina. Ao lado de um bairro reduzido a escombros em Beit Hanoun, a figura de "O Grito" de Edvard Munch urra. "Isso só dá certo com obras famosas, para que a visão seja familiar para as pessoas", explicou Elmaqosui, 42. "Muitas dessas obras têm relação com nossa realidade. Elas mostram coisas que aconteceram antes no mundo e parecem estar se repetindo agora."

Os artistas consideram seu trabalho uma forma de resistência.

"Todos em Gaza estão resistindo a sua própria maneira", disse Manal Abu Safar, 31, que tem postado dezenas de obras com fumaça de bombas como as de Khaled no Facebook. "O artista palestino expõe sua linguagem singular por meio de pinceladas e linhas."

Abu Safar, que mora na cidade de Deir al-Balah, na região central da faixa de Gaza, e começou a desenhar durante sua infância na Líbia, disse que fez seu primeiro quadro da fumaça de um ataque com aviões F-16, uma mão fazendo o "V da vitória", no quarto ou quinto dia da guerra.

Enquanto Khaled parece buscar inspiração na fumaça real, Abu Safar, que procura fotos on-line, toma mais liberdade para sobrepor sua visão: uma serpente atacando Gaza; um mapa da Palestina histórica; Yasser Arafat apoiando a bochecha na palma da mão; a caricatura de um homem usando um capacete com a Estrela de Davi e sugando o sangue de uma criança.

Khaled disse que começou a pintar há três anos —principalmente retratos obsessivos dos velhos sem esperança e jovens carentes em seu bairro. "Eu gosto de desenhar rostos, pois eles transmitem muitas histórias", afirmou. "Concentro-me em desenhar os olhos, que são o ponto focal para quem observa um rosto."

Elmaqosui é bem mais experiente. Ele começou a desenhar e a pintar em um workshop em 1995 e depois foi se aperfeiçoar na Jordânia. Há cinco anos ele e dois parceiros dão aulas de fotografia e desenho para cerca de 5 mil crianças.

Durante a ofensiva israelense em 2008-09 em Gaza, Elmaqosui fez uma série de 40 pinturas em preto e branco, principalmente de rostos abstratos sob o ataque de aviões e helicópteros.

Ele disse que faz arte constantemente durante o atual conflito, em parte "para desanuviar a tensão com meus filhos", que têm 16, 15, 13 e 11 anos, além de um bebê de 3 meses. Durante o conflito anterior, contou, "eu dizia a eles que as explosões eram de fogos de artifício, mas agora eles sabem que não é verdade".

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]