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Aos 17 anos, Safar Anghouti tinha pouca perspectiva na vida além de dar continuidade à ocupação de seu pai —catar garrafas, latas e qualquer coisa de valor pelas ruas da cidade.

Safar Anghouti, porém, era conhecido por uma coisa: seu talento no uso do canivete. Certo dia, sete anos atrás, ele perdeu a calma e, em um segundo, puxou o canivete e feriu mortalmente o pescoço de um desafeto. Anghouti foi rapidamente julgado e condenado. Como se trata do Irã, onde assassinato resulta em pena de morte até para menores de idade, ele foi parar no corredor da morte.

Para a maioria dos detentos iranianos —mais de 600 foram executados em 2013— isso teria sido o fim. Anghouti, porém, foi beneficiado por duas tendências atuais na sociedade iraniana: um repúdio crescente pela pena de morte e a disseminação das mídias sociais.

No sistema de Justiça islâmico do Irã, criminosos condenados —inclusive assassinos— podem comprar sua liberdade junto à família da vítima. Graças a uma campanha nas mídias sociais, a família de Anghouti conseguiu angariar os US$ 50 mil exigidos pelos parentes da vítima. Após salvar a pele três vezes com apelações de última hora, Anghouti, hoje com 24 anos, deve ser solto.

"Em vez de aplaudir a vingança, eles deram dinheiro para poupar a vida do meu irmão", disse a irmã de Anghouti, Zahra.

A ONU calcula que o Irã executou entre 500 e 625 detentos em 2013 —entre eles, dois delinquentes juvenis e 28 mulheres—, número inferior apenas ao da China.

A maioria das sentenças foi dada por contrabando e tráfico de drogas, mas também houve execuções por assassinato, sodomia e "ofensa a Deus". Os enforcamentos públicos ainda atraem centenas de espectadores.

Mas, segundo ativistas sociais, as atitudes estão mudando. "O número crescente de execuções desagradou à classe média", afirma o advogado Saleh Nikbakht.

A questão dos menores de idade e da lei islâmica no Irã é especialmente complexa. Segundo a interpretação iraniana oficial do islã, uma menina a partir de 9 anos é madura e um menino a partir de 15 anos é considerado um homem. No entanto, a idade legal para obter uma carteira de motorista e ter propriedades é 18.

Em 2012, o Conselho dos Guardiães, que decide se novas leis são constitucionais, aprovou uma mudança que elimina a pena de morte para "crimes discricionários", como os relacionados a drogas. Mas os juízes ainda podem determinar a pena de morte para delinquentes juvenis em outros casos, se acharem que o menor de idade tinha consciência da natureza e das consequências do crime.

Conforme relato da Human Rights Watch no ano passado, até o final de 2012, mais de cem delinquentes juvenis estavam no corredor da morte. Um deles era Anghouti, que atirou seu canivete após ver sua vítima, Mehdi Rezai, conversar com uma garota que o jovem catador de lixo considerava sua namorada. Sete anos após o assassinato, a data final para sua execução tinha sido marcada para 20 de janeiro.

Um mês antes do prazo, a família de Anghouti recorreu à Sociedade Estudantil Popular Imame Ali, grupo que desde 2006 já impediu 15 execuções. O trabalho do grupo se baseia em um princípio-chave na interpretação da lei islâmica no Irã que permite que as vítimas busquem reparação vingando-se do que foi feito a elas ou a seus familiares —às vezes no sistema "olho por olho"— ou perdoando os culpados. Em muitos casos, o perdão é dado mediante uma compensação em dinheiro.

"Nós dizemos às pessoas que as crianças são inocentes", disse Zahra Rahimi, que dirige a sociedade com seu marido, Sharmin Meymaninejad.

No ano passado, ela e outros voluntários visitaram a família de Rezai, a vítima, para convencer os parentes de que seria misericordioso permitir que Anghouti vivesse. A família de Rezai cedeu e concordou em perdoar Anghouti em troca de US$ 50 mil.

Por meio de uma campanha no Facebook —que é proibido no Irã, mas amplamente acessado através de um software ilegal—, a sociedade arrecadou além do que era necessário.

Anghouti escreveu um bilhete na prisão para os doadores do dinheiro. "Eu os amo", disse ele. "Prometo recompensar o que vocês fizeram. Quero levar uma vida decente."

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