Josephine Finda Sellu perdeu 15 de seus enfermeiros para o ebola e pensou em desistir do trabalho. No entanto, ela continuou. Sellu, a supervisora-adjunta de enfermagem, é uma rara sobrevivente que nunca parou de trabalhar no hospital público daqui, o lugar com a maior taxa de mortalidade causada pelo vírus em Serra Leoa em junho e julho.
Esse clube seleto de sobreviventes, composto por no máximo três mulheres da equipe de enfermagem original que não foram infectadas pelo ebola, viu seus colegas morrerem e mesmo assim continua sua missão. "Eu preciso continuar aqui, caso contrário, tudo pode desmoronar", disse Sellu, 42, que supervisiona os enfermeiros na luta contra o ebola.
Chamada de "mami" pelos outros enfermeiros e sempre usando um traje de proteção da cabeça aos pés, ela parece um marechal de campo mandando os enfermeiros retomarem suas funções, inspecionando a comida servida aos pacientes, fazendo brincadeiras com colegas contaminados e dando ordens para todo lado.
Na campanha contra o vírus ebola, que está se alastrando por partes da África ocidental em uma epidemia pior que todos os surtos anteriores da doença juntos, a linha de frente é mantida por pessoas como Sellu: médicos e enfermeiros que arriscam suas vidas para cuidar de pacientes que provavelmente morrerão; faxineiros que limpam jorros de vômito e lixo letais para que centros de saúde sitiados possam continuar funcionando; motoristas que entram em vilarejos devastados pela doença para resgatar pacientes; encarregados da tarefa arriscadíssima de impedir que cadáveres contaminados passem a doença adiante.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, pelo menos 129 agentes de saúde que combatem a doença morreram devido ao ebola. Embora um grande número de agentes tenha abandonado o trabalho, muitos recrutas se apresentaram de livre e espontânea vontade, muitas vezes em troca de pouca ou nenhuma remuneração. "Se eu não for voluntário, quem mais pode fazer esse trabalho?", indagou Kandeh Kamara, um dos cerca de 20 rapazes incumbidos de uma das tarefas mais árduas: encontrar e enterrar cadáveres na região leste de Serra Leoa.
Quando o surto começou, há alguns meses, Kamara, 21, foi ao centro de saúde em Kailahun e se ofereceu para ajudar. Quando os responsáveis pelo centro disseram que não podiam remunerá-lo, ele concordou sem pestanejar.
"Não há outras pessoas para fazer isso, então decidimos nos apresentar para ajudar a salvar nosso país", explicou ele sobre sua atitude e a dos outros rapazes. Eles se autodenominam "os garotos coveiros".
A organização Médicos Sem Fronteiras treinou a equipe. Muitos rapazes foram expulsos de suas comunidades. Finalmente, Kamara está sendo pago, cerca de US$ 6 por dia, e espera achar um quarto para alugar, provavelmente por um preço inflacionado.
No hospital público a poucas horas de distância em Kenema, fotos e bilhetes para jovens enfermeiras que morreram subitamente são lembretes visuais do sofrimento presente. Um bilhete para Elizabeth Lengie Koroma tem o seguinte teor: "Lengie, todos nós a amamos, mas Deus também". Ao todo, 22 funcionários do hospital morreram.
Os enfermeiros e médicos locais confiavam em sua experiência para tratar a febre de Lassa, outra doença mortal que causa sangramentos. O ebola, porém, era desconhecido para eles.
Para tratar os primeiros casos, os enfermeiros usavam apenas óculos de proteção. As precauções iniciais inadequadas tiveram consequências fatais, inclusive para um jovem médico reverenciado que comandava a unidade de combate à Lassa, o doutor Sheik Umar Khan.
"Era um homem tão bom e o tempo todo dizia, Não faça isso, não faça aquilo", comentou Sellu. "Sua morte é um mistério." O doutor Khan morreu em 29 de julho, o que foi um golpe duro para o país.
Sellu também falou sobre os enfermeiros que perdeu para o ebola. Geralmente muito empenhada em transmitir força para todos, ela começou a chorar.
Ela fixou bem a data em que o pesadelo começou por aqui: 25 de maio. Na vizinha Guiné, onde a epidemia teve início, a crise parecia falsamente contornável. Em Kenema, um paciente estava sangrando muito.
"Os enfermeiros ficaram curiosos e me chamaram", disse ela. "O doutor Khan falou: Façam o teste." E o resultado foi positivo para o ebola.
Mas foi o segundo caso, no anexo privativo para Vips no hospital, "que nos alertou para a extensão da calamidade", segundo ela. O paciente era um chefe local que estava com uma diarreia grave e vomitava muito. Ele contaminou três enfermeiros e um porteiro. O porteiro e uma enfermeira morreram. Essa enfermeira estava grávida e abortou, infectando os quatro enfermeiros que ajudaram na retirada do feto. Todos os quatro morreram.
"Há momentos em que digo, Ah, meu Deus, eu deveria ter sido secretária", disse Sellu.
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