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Os crânios de algumas das vítimas do genocídio de 1994 em exibição em uma igreja de Nyamata, em Ruanda | Ben Curtis/Associated Press
Os crânios de algumas das vítimas do genocídio de 1994 em exibição em uma igreja de Nyamata, em Ruanda| Foto: Ben Curtis/Associated Press

No ano passado, me mudei para a África Oriental para tentar algo diferente.

Tinha que me afastar da Alemanha por um tempo. Precisava me distanciar um pouco do Holocausto.

Durante cinco anos eu trabalhara em um livro sobre o médico de um dos campos de concentração que evitou a justiça simplesmente fugindo para o Cairo. Os dias passados lendo as descrições daqueles horrores tiveram um efeito erosivo na minha alma.

Tive a trégua de que necessitava na Etiópia e na Tanzânia, mas, em Ruanda, me vi em uma terra estrangeira que, de forma meio inexplicável, era muito familiar.

Ali, em 1994, mais de 800 mil pessoas foram assassinadas em apenas cem dias, sendo a maior parte das vítimas do grupo étnico tutsi, além de hutus moderados.

Já tinham me dito que tentar comparar o Holocausto ao genocídio de Ruanda era bobagem. As diferenças eram tantas que não valia a pena nem enumerá-las. Para começar que o país africano, sem saída para o mar e com colinas belas e coloridas, não se parece em nada com as planícies europeias cinzentas; a grande maioria dos judeus foi erradicada da Alemanha até o fim da Segunda Guerra Mundial, enquanto os tutsis continuam a viver lado a lado com os hutus, inclusive, em alguns casos, com os assassinos de suas famílias.

E apesar de todas as diferenças, descobri semelhanças impossíveis de serem ignoradas. Treze anos depois do fim do conflito mundial, a Alemanha fundou o Escritório Central para Investigação de Crimes do Nazismo, que ainda funciona na cidadezinha do sudoeste do país, Ludwigsburg. Treze anos depois do massacre, Ruanda criou a Unidade de Rastreamento de Fugitivos do Genocídio, em busca dos genocidas.

A Alemanha serve de exemplo para qualquer país que queira assumir seus crimes históricos: seus promotores ainda perseguem os culpados, a maioria já com 90 e poucos anos, para julgá-los. O país está cheio de monumentos à sua crueldade.

O Centro Memorial de Kigali, na capital de Ruanda, fica no meio de criptas de concreto repletas de caixões. A cena é incrivelmente semelhante a dos monumentos do Holocausto. Há fotos das vítimas ao lado de vídeos dos testemunhos de sobreviventes. A exposição das roupas dos mortos imediatamente me lembrou dos sapatos infantis reunidos em Auschwitz.

As pessoas responsáveis por essas mostras enfrentam uma questão complicada: como ajudar o público a captar a urgência e o imediatismo de eventos que estão mergulhados em um passado muitas vezes longínquo? A Alemanha descobriu que uma das opções é usando o tribunal como sala de aula.

"A prisão e julgamento desses fugitivos nos deram muito mais informações sobre os eventos de 1994 e ajudam a combater as mentiras espalhadas por aqueles que negam o genocídio ao redor do mundo", diz o presidente da Unidade, John Bosco Siboyintore, no site do governo ruandês. Substitua "1994" por "Holocausto" e é como se estivesse ouvindo o famoso caçador de nazistas, Simon Wiesenthal, que sempre enfatizou o valor educativo de seu trabalho.

As autoridades de Ruanda descobriram que julgar todas as pessoas envolvidas no genocídio não só seria impraticável como impossível. Em vez disso, foram utilizadas as tradicionais cortes Gacaca, com ênfase na verdade e na reconciliação, que optam por sentenças envolvendo serviços comunitários para crimes violentos que, nos EUA, resultariam em prisão perpétua.

"Em Ruanda, a estratégia dos genocidas foi envolver o maior número possível de pessoas comuns no massacre", explica o Ministro da Justiça Busingye Johnston. "Sabiam que, no final das contas, punir os responsáveis seria um pesadelo, uma tarefa praticamente impossível".

Vários dos piores nazistas foram capturados e soltos sem enfrentar julgamento. Em vez de verdade e reconciliação, houve só silêncio. Com os judeus mortos e/ou fugidos, não havia ninguém com quem teriam que se reconciliar a não ser consigo mesmos.

Só quando comecei a pesquisa para o meu livro, "The Eternal Nazi", é que entendi a intimidação, obstrução e abuso que os investigadores que trabalharam nos casos do Holocausto enfrentaram. Muita gente hoje se esquece de que o entusiasmo para julgar os criminosos de guerra cresceu com o passar dos anos, quando eles foram se tornando mais raros.

Em Ruanda, a lembrança do genocídio é usada para justificar a permanência do presidente Paul Kagame no poder, mesmo quando as críticas às suas ações começam a ganhar força, tanto dentro do país como no exterior.

A Alemanha, ao destacar seus próprios erros, mesmo que tardiamente, assume um estranho patamar moral, o melhor possível depois de ter superado o seu pior pesadelo.

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