Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Ciência e Tecnologia

Ecos digitais de corações antigos

No século XIX, os esfigmógrafos eram usados para registrar o pulso de uma pessoa. A versão criada por Étienne-Jules Marey | Courtesia de Patrick Feaster e Dario Robleto
No século XIX, os esfigmógrafos eram usados para registrar o pulso de uma pessoa. A versão criada por Étienne-Jules Marey (Foto: Courtesia de Patrick Feaster e Dario Robleto)

A iniciativa de registrar o padrão dos batimentos cardíacos humanos — aquelas linhas onduladas tão comuns nos monitores dos aparelhos hospitalares — remonta a pelo menos 1854, quando um cientista alemão pressionou uma placa pesada contra uma artéria, conectou-a uma agulha feita com um fio de cabelo e conseguiu acompanhar as pulsações em uma fita móvel de papel escurecido pela fuligem.

Hoje, usando técnicas de processamento digital para transformar as imagens de ondas repetitivas em sons, um artista e um historiador do som converteram esse padrão nos batimentos rítmicos de um coração — e ressuscitaram a pulsação de um francês centenário que nasceu em 1769. O artista, Dario Robleto, estava fazendo pesquisa sobre corações artificiais para uma instalação de arte em Houston, no Texas, quando conheceu o historiador, Patrick Feaster.

E os dois mergulharam nas pesquisas sobre os procedimentos dos médicos do século XIX para registrar a pulsação dos pacientes e, de certa forma, adivinhar essas informações.

"Estamos ressuscitando parcialmente esses processos fisiológicos. Ao ouvir a pulsação é como se pudesse senti-la, coisa que não acontece quando se olha para uma linha ondulada em um pedaço de papel", diz o Dr. Feaster.

Até meados do século XIX, para acompanhar a pulsação era necessário que o médico abrisse uma artéria e colocasse ali um dispositivo metálico ou um tubo de vidro. Não havia voluntários humanos e os estudos se limitavam a animais.

Karl von Vierordt, um fisiologista alemão, inventou um mecanismo não-invasivo de monitoramento que chamou de esfigmógrafo, ou "leitor de pulso", e, em 1854, o utilizou para acompanhar 45 pulsações fracas de um paciente de 71 anos.

Para dar voz aos traços, o Dr. Feaster digitalizou as inscrições das linhas de von Vierordt; a seguir, criou arquivos de áudio, com o software usado para trilhas sonoras de filmes, dos registros cardíacos compilados pelo fisiólogo Étienne-Jules Marey – que, em 1865, usou um novo tipo de estetoscópio com duas membranas cheias de água, pressionadas ao peito do paciente; em vez de conectá-las aos tubos de borracha tradicionais, ele as ligou a um dispositivo de registro. As tais ondas são os primeiros sons capturados de um coração pulsante. Após digitalizar os registros de Marey, o Dr. Feaster editou a imagem em um formato que o software pudesse converter em arquivo WAV. "Os sons provam que os limites que pensávamos ser barreiras impenetráveis à história são maleáveis e porosas", constata Robleto.

Há alguns meses, o Dr. Feaster e Robleto descobriram uma tabela fotográfica criada em 1869 por um médico francês, Charles Ozanam, que mostrava a pulsação do Sr. Léger poucos meses antes de sua morte e converteram o registro em som. Robleto atribui seu fascínio pelos batimentos cardíacos a uma gravação que ouviu quando tinha seis ou sete anos, de sons do espaço sideral, e que lembrava muito estática. Só anos depois é que soube que os ruídos que tanto o impressionaram eram os registros elétricos do coração e do cérebro de Ann Druyan.

No fim dos anos 70 a jovem escritora trabalhou com o astrônomo Carl Sagan na montagem de duas cápsulas do tempo – nas quais havia discos de cobre banhados a ouro idênticos, com imagens e sons da Terra, que foram enviadas para o espaço nas missões Voyager 1 e 2, em 1977.

O Disco de Ouro, como agora é chamado, inclui o som de trovões, pássaros, baleias e as ondas cardíacas e cerebrais da moça, na época com 27 anos, registrados em uma sala escura do Hospital Bellevue, em Manhattan, dias depois de ela perceber que tinha se apaixonado por Sagan. Os dois acabaram se casando e a união durou até a morte dele, em 1996. No ano passado, a Voyager 1 se tornou o primeiro artefato humano a sair da heliosfera, a bolha magnética que protege o sistema solar da radiação do Sol, para entrar no espaço interestelar.

"Nenhuma história, artista ou trabalho criativo ficou tanto tempo na minha memória como Ann Druyan e o Disco Dourado", revelou Robleto.

Em setembro, os dois se conheceram. "Nem acredito que ouvi os seus batimentos cardíacos quando era garoto", ele disse a ela.

Dando vida à pulsação de um homem nascido em 1769

Druyan-Sagan Associates Inc.Os batimentos cardíacos de Ann Druyan, aqui com Carl Sagan, foram enviados ao espaço

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.