Há séculos os peregrinos vão a Assis para subir as mesmas ladeiras e passar pelas mesmas vielas que um frade radical chamado Francisco –aquele que pregava a pobreza e combatia o materialismo, abalando a Igreja Católica medieval– passou há 800 anos.
O santo – que ao lado de Catarina de Siena é patrono da Itália –, é conhecido e adorado por milhões de fiéis no mundo todo. Além disso, serviu de inspiração para o atual papa, a quem emprestou o nome. Sua cidade natal, encarapitada sobre o Monte Subasio, atrai de quatro a cinco milhões de turistas por ano. Atualmente, porém, esses números incluem um novo tipo de visitante.
Além dos grupos que chegam em ônibus de excursão e um sem-fim de franciscanos, Assis agora recebe os não católicos, os mesmos que vão buscar o rejuvenescimento nos ashrams da Índia ou nas massagens ayurvédicas com óleos essenciais, atraídos pela mesma essência mística que os mais religiosos acreditam sentir nas florestas que cercam a cidade. “Assis é um daqueles lugares especiais onde você pode captar e receber energia espiritual”, diz Katharina Daboul que, às vezes, gerencia o centro de meditação local Monastério da Paz Simples.
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Leia a matéria completaFrancisco, que nasceu em Assis e morreu ali, 44 anos depois, em 1226, abdicou de todos seus bens terrenos para seguir os passos de Jesus. Nos vários séculos que se passaram desde então, muitos peregrinos passaram a seguir o caminho que ele fazia até os bosques do monte Subasio.
O reverendo Enzo Fortunato, porta-voz da Basilica di San Francesco, grande atração turística da cidade, confessa ter notado o influxo de um novo tipo de visitante, mas diz que não se surpreendeu. “A Assis de Francisco sempre representou a receptividade às diversidades”, afirma.
Só que nem todos os retiros estilo Nova Era espalhados pela área são refúgios espartanos de gente em busca de paz de espírito que carrega seu próprio colchonete de ioga. No bairro romano, no norte da cidade, os mais abastados podem reservar um quarto luxuoso com direito a afrescos restaurados nas paredes do Nun Assisi Relais Hotel & Spa Museum, convento do século 13 reformado que abriu as portas em 2010.
O dono do hotel, Massimo Falcinelli, decidiu que o tema do estabelecimento seria o poder curativo da água. Os romanos consideravam as fontes de Subasio “mágicas” e Assis, o que chamavam genius loci, “um local com clima benéfico para a saúde, que eleva a alma”, explica a gerente, Chiara Mencarelli.
No Nun Relais, Konstantin Mirzajev, engenheiro russo que vive em Praga, descreveu sua experiência como hóspede: “Quando estou no banho, olhando para os arcos de pedra do Anfiteatro Romano, me sinto como um deles. Tenho a impressão de ter viajado no tempo, através dos séculos, para poder experimentar o luxo que os romanos da época conheciam tão bem.”
Perguntado sobre os toques de opulência em um lugar famoso por rechaçá-la, o reverendo Stephen Platten, bispo anglicano de Londres que visita Assis com frequência, respondeu: “Acho que as pessoas devem se divertir, mas espero que o luxo não as anestesie e as isole da mensagem de São Francisco.”
Embora essas atrações “espirituais” mais novas coexistam com a comunidade tradicional, um retiro, o Centro Ananda, passou por uma integração mais complicada: inaugurado nos anos 1990 por um grupo de seguidores de Yogananda em um terreno de 1,6 hectare, hoje inclui um centro de ioga, pousada, uma imobiliária e uma fazenda. Cerca de 150 pessoas vivem nos chalés de terracota da propriedade — que conta também com um centro de terapia holística, massagens e tratamentos e um templo para meditação —, que recebe visitantes de todas as partes da Europa.
Para Yogananda, o hinduísmo e Jesus pregam lições semelhantes. No entanto, o Centro Ananda foi acusado pelas autoridades locais de ser um culto e uma iniciativa criminosa. A polícia, inclusive, chegou a dar batida no local em 2004, prendendo sete líderes da seita, que foram liberados logo em seguida. A Promotoria os acusou de escravidão, lavagem cerebral, crime organizado e comportamento coercivo, mas o juiz arquivou o caso.
Um pouco mais perto da cidade fica o Monastério da Paz Simples, opção menor e mais rústica entre os retiros locais. O local já é considerado por várias publicações de viagem um dos dez melhores centros de meditação do mundo, tanto pela vista do interior da Umbria como pela proximidade das trilhas espirituais de Assis. Espartana, a sede é uma casa de pedra aninhada entre roseirais e moitas de lavanda.
Os recém-chegados, porém, não tiraram o espaço das opções mais tradicionais: a pousada de Santo Antônio, por exemplo, funciona desde 1931 sob a batuta de uma ordem norte-americana, as Irmãs Franciscanas da Redenção. Protegida por portões de ferro em uma encosta íngreme, com uma vista magnífica para a cidade e a Basílica de Santa Clara, os hóspedes primeiro passam pela palavra “redenção” antes de serem levados pela irmã Susan, uma das cinco religiosas que vivem no local, a uma sala austera decorada com retratos do Cristo.
Susan não tem uma única crítica aos turistas não religiosos e seus retiros. “Estamos abertos a pessoas de todas as tradições, os que são estranhos à religião ou os que buscam algo. Este é um local seguro para descansar, sair de circulação ou peregrinar. Ou simplesmente ser”, filosofa ela.
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