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Um vírus misterioso emerge na África e se dissemina. Um público ansioso e cético rejeita as evidências científicas de que o vírus é transmitido apenas por meio de fluidos corporais. Não existem medicamentos para tratar os pacientes infectados nem vacina para prevenir novos casos.

As pessoas evitam os infectados e as pessoas que tiveram contato com eles. Algumas exigem quarentenas.

Teóricos conspiratórios alegam que o vírus escapou de laboratórios governamentais.

Não estamos falando do ebola. Estamos falando do surto, no início da década de 1980, do HIV, o vírus que causa a Aids.

As duas epidemias suscitaram reações estranhamente semelhantes de autoridades de saúde e do público, suscitando perguntas cruciais sobre o porquê de o mundo permanecer despreparado para reagir contra ameaças virais repentinas.

Especialistas subestimaram o alastramento dos dois vírus. Depois de desenvolverem um exame para detectar o HIV, médicos descobriram que milhões de pessoas estavam infectadas.

A epidemia de ebola, que envolve milhares de pessoas, até agora está restrita à África Ocidental. Mas, enquanto ela continuar a se alastrar nessa região, ela representa uma ameaça grave ao resto do mundo.

Os cientistas delinearam os modos de transmissão do ebola e do HIV prontamente e com clareza. Mesmo assim, as autoridades públicas não comunicaram essas informações de uma maneira clara.

No início da epidemia de Aids, autoridades e jornalistas falavam em "fluidos corporais", evitando usar termos como pênis, vagina e esperma. Apenas mais tarde é que passaram a falar explicitamente sobre os riscos das relações sexuais anais.

A ambiguidade teve um custo alto. As pessoas evitavam frequentar restaurantes com garçons considerados gays, por medo de contrair a doença de pratos e alimentos supostamente contaminados. Algumas pessoas pediram quarentenas que não faziam sentido.

As autoridades sanitárias tiveram tempo de sobra para polir suas habilidades linguísticas. Mesmo assim, a frase "fluidos corporais" voltou, e há confusão quanto à possibilidade de o vírus ser "transmitido pelo ar", enquanto as autoridades tentam explicar que o vírus do ebola não se dispersa do mesmo modo que os da gripe.

E assim a história se repete. Um público incerto estigmatizou muitos sobreviventes do ebola, como antes eram estigmatizados os aidéticos, apesar de não constituírem risco a outras pessoas. Governantes e autoridades de saúde entraram em desacordo sobre a necessidade de colocar em quarentena pessoas que voltam da África Ocidental, apesar de essa política não ser baseada em evidências científicas.

A saúde pública envolve política, por sua própria natureza. Como políticos, as autoridades sanitárias tradicionalmente tendem a minimizar riscos, para acalmar a ansiedade.

As autoridades não têm feito silêncio sobre o ebola, mas em alguns momentos têm usado termos enfáticos e absolutos demais. Apesar da ausência de experiência anterior, especialistas previram que qualquer hospital americano poderia lidar com pacientes de ebola em segurança. Não foi o que aconteceu no Texas. Para seu crédito, as autoridades se corrigiram prontamente. Mas o dano já tinha sido causado.

O medo do desconhecido contribui muito para agravar a ansiedade durante surtos de doenças. No início da epidemia de Aids, o HIV era um enigma.

Num primeiro momento, cientistas não sabiam se a causa da doença era um agente infeccioso ou uma droga.

O ebola foi identificado na África Central em 1976, mas era desconhecido na África Ocidental quando casos começaram a surgir na Guiné no início deste ano. A Organização Mundial de Saúde informou que até 7 de novembro 13.268 pessoas já tinham contraído a doença, 4.960 das quais tinham morrido.

Como foi o caso nos primórdios da Aids, o único tratamento comprovado é a terapia de apoio. Se forem encontradas drogas para tratar o ebola, profissionais de saúde terão que encontrar maneiras de levá-las aos pobres da África. A epidemia da Aids pode nos ter preparado para isso, pelo menos.

Os dois vírus continuam a representar desafios enormes. Tanto um quanto outro vão deixar um legado trágico: centenas de milhares de órfãos.

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