Na Guatemala, a multidão marchava sob a chuva torrencial, decidida. Em Honduras, os manifestantes levavam archotes no início da noite. Uma onda de protestos contra escândalos de corrupção que varre a América Latina agora chega à região central do continente.
Os presidentes da Guatemala e de Honduras enfrentam acusações de que pessoas próximas a eles desviaram dinheiro da saúde pública, já fragilizada, ou organizaram manobras para burlar o fisco.
Embora nem o guatemalteco Otto Pérez Molina, nem o hondurenho Juan Orlando Hernández tenham sido acusados diretamente, os manifestantes exigem suas renúncias.
Os centro-americanos já estão familiarizados com esse nível de desonestidade. Antigos presidentes e seus associados na Costa Rica, Nicarágua e Guatemala foram julgados por corrupção por seus sucessores. No Panamá, há uma investigação em andamento sobre o governo do ex-presidente Ricardo Martinelli, inclusive de seus aliados, e ele fugiu do país.
Em Honduras e na Guatemala, porém, os protestos são contra governantes ainda no poder – e encabeçados por líderes comunitários nas redes sociais, que sabem que o mesmo movimento anticorrupção abalou os presidentes do Brasil, Chile e México.
“É uma sensação estranha que o povo tem, uma liberdade que não existia antes. A conscientização do poder do cidadão se expandiu”, constata Edgar Gutiérrez, diretor do instituto de pesquisa da Universidade de San Carlos, na Cidade da Guatemala.
Ali, os protestos começaram no fim de abril, depois que um painel de promotores internacionais, com o apoio da ONU, descobriu um esquema de propina que cobrava taxas alfandegárias menores.
Em Honduras, os manifestantes se concentraram nas alegações de que um ex-diretor e vários funcionários do primeiro escalão do Instituto de Segurança Social Hondurenho fecharam contratos superfaturados, no valor de US$200 milhões, com empresas fantasmas. Parte desse dinheiro foi para o Partido Nacional de Hernández.
A pressão dos manifestantes na Guatemala levou à renúncia, em maio, da vice-presidente Roxana Baldetti, cujo principal assessor está envolvido no caso da propina alfandegária e continua foragido. Pérez Molina também sacou vários ministros.
O painel da ONU envolvido no caso, conhecido pela sigla em espanhol Cicig, foi criado para ajudar a promotoria e juízes do país a estabelecerem um sistema judiciário que conseguisse superar a corrupção endêmica que castiga o país.
Em Honduras, o povo quer uma versão própria do Cicig no país, exigência que Hernández já rejeitou.
Um segundo caso na Guatemala envolve um contrato de US$15 milhões para execução de diálise no Instituto de Seguridade Social local, fechado com uma empresa sem nenhuma experiência, segundo a promotoria, em troca de propina. O tratamento, problemático e cheio de falhas, levou à morte pelo menos cinco pessoas.
Entre os acusados nesse caso estão Juan de Dios Rodríguez, presidente do Instituto de Segurança Nacional, e a ex-secretária particular do líder da nação.
Pérez Molina jurou governar até o fim do mandato, em janeiro, mas o Congresso analisa a revogação de sua imunidade para que possa ser processado judicialmente.
“A agonia do regime vai continuar e o próximo governo terá ainda menos credibilidade.
Nos centros urbanos, a rejeição de todos os partidos é muito alta”, afirma Gutiérrez.