“Meus personagens não são muçulmanos exemplares, mas se esforçam para fazer escolhas seguindo a ‘lógica muçulmana’ "| Foto: Isma’il Kushkush para The New York Times

Quando Leila Aboulela chegou à feira internacional de livros realizada aqui recentemente, a sala estava cheia de ouvintes ansiosos. Depois que terminou a leitura de uma passagem de seu romance premiado, "Lyrics Alley", veio uma enxurrada de perguntas, algumas em inglês, outras em árabe.

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"Por que você escreve em inglês?", questionou alguém.

"Por que não visita o Sudão hoje e escreve sobre temas contemporâneos em vez de escrever sobre como era o país durante sua infância?", outro quis saber.

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Nascida no Egito de pai sudanês e mãe egípcia, Leila foi criada no Sudão, onde estudou em um colégio católico feminino. E acabou lendo muitos clássicos ocidentais. "’O Diário de Anne Frank’ me impressionou muito, o que era raro para uma árabe na época", conta. Porém, em vez de estudar Literatura, fez Economia na Universidade de Cartum.

Hoje, aos 49 anos, vive no Reino Unido e suas origens dificultam a caracterização de sua obra: ela escreve como africana, árabe ou britânica muçulmana? A definição a que muitos leitores e críticos chegaram descreve o trabalho de Leila como o de uma sudanesa-britânica, o que dá ampla margem para as críticas. "Na verdade, o Sudão não é árabe o suficiente para os árabes nem africano o suficiente para os africanos", ri ela."

Meus personagens não são muçulmanos exemplares, mas se esforçam para fazer escolhas seguindo a ‘lógica muçulmana’.

A maioria dos personagens muçulmanos ou é descrita como fundamentalista ou totalmente liberal. Nunca estão nem perto de um meio-termo".

Com uma prosa versátil, Leila escreveu contos, ensaios, peças para rádio e livros em inglês que exploram temas como espiritualidade, racismo, sexismo e romance.

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A autora se mudou para o Reino Unido em 1990 com o marido, engenheiro de petróleo, e começou a dar aulas de Estatística em uma universidade de Aberdeen, na Escócia. Morando longe da terra natal, começou a se familiarizar com os romances árabes, como os do sudanês Tayeb Salih, e os trabalhos em inglês de muitos escritores asiáticos e africanos pós-coloniais.

Mais ou menos na mesma época começou a escrever, mas achou complicado equilibrar as aulas, a escrita e o cuidado com os três filhos; em 1996, então, desistiu de lecionar para se dedicar apenas à carreira de escritora.

Seu primeiro livro, "The Translator", publicado em 2006, conta a história de uma jovem viúva sudanesa que trabalha como intérprete em uma universidade escocesa. O marido de Samar morreu em um acidente de carro, mas em vez de voltar para o país de origem, preferiu ficar na Escócia, longe da família. Acaba conhecendo Rai, um professor escocês de Estudos Islâmicos e os dois desenvolvem um relacionamento limitado pelas diferenças culturais e religiosas.

As obras de Leila são mais populares internacionalmente do que no Sudão.

Ela já morou em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, Doha, no Catar e Jacarta, na Indonésia, além da Escócia —, mas suas viagens deixam seu trabalho aberto às críticas de muita gente em sua terra natal.

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"Quando fala do Sudão, tenho a impressão de que é uma turista", diz Safia Nureldin, que ensina Literatura Africana na Universidade de Cartum. "Não é original, não é autêntico".

E completa, afirmando que seus personagens são "representações vazias do Islã".

Leila, por sua vez, alega que o local onde estão seus personagens faz com que seus sentimentos pelo Islã se intensifiquem. "É só colocá-los no Ocidente que os temas se destacam".