Jason Matthews é um espião aposentado, mas não parece. Ele lembra mais um diretor de escola: calmo, paciente, aparência simples. As únicas pistas de sua antiga ocupação — 33 anos com a CIA — são sua aguçada visão periférica e seu uso ocasional de termos como “ops” e “intel”.
Matthews, de 63 anos, é também um escritor, mais um da longa fila de verdadeiros espiões que também escreveram livros de espionagem. A tradição remonta pelo menos a Erskine Childers, nacionalista irlandês e traficante de armas que escreveu o thriller de 1903, “The Riddle of the Sands” (O Enigma das Areias), e inclui Ian Fleming, John le Carré, Stella Rimington, Charles McCarry e E. Howard Hunt. Todos colheram grandes dividendos ficcionais da Guerra Fria.
O novo livro de Matthews, “Palace of Treason” (Palácio de Traição), é uma continuação de seu best-seller “Red Sparrow” (Pardal Vermelho). Ele se passa na Rússia contemporânea, onde até um Vladimir Putin de pijama aparece, mas, como o romance anterior, é à moda antiga. Mesmo que haja algumas tiradas à la James Bond, os personagens principais – Dominika Egorova, agente russa trabalhando secretamente para os Estados Unidos e Nate Nash, seu amante da CIA e manipulador – usam basicamente a espionagem tradicional. Eles passam muito tempo tentando evitar serem seguidos.
Escapar da vigilância era a especialidade de Matthews. Oficialmente, ele era um diplomata na Europa, Ásia e no Caribe, mas seu verdadeiro trabalho era recrutar e gerenciar agentes estrangeiros. “Havia muito jogo psicológico. Você acordava de manhã e via um cigarro apagado no cinzeiro. Uma equipe entrava em sua casa à noite e deixava a bituca para que você soubesse que eles estiveram lá”, lembrou ele.
A vigilância e os modos de evitá-la que são retratados no cinema — pessoas entrando no metrô ou em táxis — estão errados, disse Matthews. Em “Palace of Treason”, uma recruta da CIA perambula por 13 horas para garantir que não está sendo seguida.
Colin Harrison, editor de Matthews na Scribner, disse nunca ter prestado muita atenção aos romances de espionagem até que o manuscrito de “Red Sparrow” apareceu na sua mesa. “Todos esses anos que ele passou observando e falando com as pessoas — se você pensar bem, esse é um bom treino para um romancista.”
Harrison disse que Matthews é evasivo sobre sua carreira.
Matthews disse que começou a escrever como “terapia”.
“A carreira na CIA é muito prática, como ser um policial ou um bombeiro ou um piloto de jato, e quando ela acaba, acaba de vez. Há grupos de aposentados que se reúnem, principalmente em Washington, e trocam histórias de guerra, mas eu fui morar na Califórnia, e as opções eram escrever algo ou ir pescar.”
Ele não tinha prática de escritor, contou, mas frequentou a escola de jornalismo antes de ser contratado pela CIA, e muito de seu trabalho consistia em escrever relatórios e mensagens. E acrescentou: “Muitos dos novos livros de suspense são escritos por pessoas que não viveram essa vida, e a maioria parece ser sobre um cara da Agência com distúrbio bipolar, ajudado por sua namorada bipolar, tentando perseguir uma terrorista bipolar que tem uma ogiva na valise, que irá explodir em 12 horas. Meu livro é ficção, mas é um amálgama de gente que conheci, das coisas que fiz e que vivi.”
Ao falar sobre espionagem em “Palace of Treason”, ele disse: “Acho que é um reflexo da minha idade e minha geração na Agência, e uma reafirmação de que, apesar de toda a aparelhagem, tudo gira em torno de duas pessoas. Há uma razão para usarmos o termo humint — inteligência humana. Só seres humanos a possuem”.