Cada vez que Kimberly Wesson se despe das calças e da camisa abotoada de costume para usar um vestido florido, sente que alguma coisa está errada.
“Me sinto como se estivesse vestindo as roupas de outra pessoa”, disse Wesson em seu estúdio no centro de Manhattan.
Seu estilo sóbrio põe à prova a tolerância de suas amigas bem-intencionadas. “A coisa já chegou a tal ponto que elas me imploram: ‘Ponha uma saia de lantejoulas’ ou ‘arrume-se como a Joan de ‘Mad Men’”.
Isso dificilmente vai acontecer. Wesson e Aimee Cho, sua sócia, injetaram sua visão de estilo na grife unissex 1.61, criada há um ano e que gira em torno de calças largas, casacos soltos e camisas fáceis de usar —as roupas trajadas pelas próprias sócias e que são oferecidas a homens e mulheres em tamanhos diversos.
Wesson e Cho fazem parte de uma onda de estilistas que se inspiram na fusão de gêneros, ou seja, na redução da separação entre os sexos. O fenômeno emergiu neste ano nas passarelas de estilistas de primeira linha como Rick Owens e Alessandro Michelle, da Gucci, determinados a erodir a demarcação antes rígida entre as roupas convencionalmente femininas ou masculinas.
É verdade que a tendência de hoje ganha boa parte de seu impulso da fixação da moda com o final dos anos 1960 e início dos anos 1970. Consumidores mais jovens e outros sob sua influência estão revivendo uma época em que a moda unissex era em grande medida restrita à realeza do rock —artistas como Jimi Hendrix e David Bowie, com seus quimonos e lantejoulas.
A novidade é que o movimento hoje possui uma aura cool que não fazia parte dele desde aquela sua primeira encarnação.
“Cinco anos atrás, não estávamos preparados para isto”, comentou Humberto Leon, fundador da loja vanguardista nova-iorquina Opening Ceremony e proponente de longa data da moda “gender-fluid”, ou unissex. “A diferença é que hoje essa tendência tem um rótulo e ganhou a aceitação do grande público.”
Ken Downing, diretor de moda da Neiman Marcus, foi mais enfático. “Estamos assistindo a uma mudança sísmica na moda: à aceitação crescente de um estilo sem fronteiras, que reflete o modo como os jovens se vestem.”
É um conceito que condiz com o pensamento de estilistas como Rad Hourani, cujo desfile “gender-free”, em janeiro, incluiu modelos usando máscaras que ocultavam seu gênero. Ele está à base da Nicopanda, a linha de streetwear unissex de Nicola Formichetti; inspirou a Hood by Air, a Public School e, antes delas, Rick Owens e Martin Margiela.
Também estilistas americanos mais jovens estão levando a causa adiante, propondo peças idênticas voltadas aos dois sexos. Entre eles estão os designers da 1.61, Telfar e 69 Worldwide, em Los Angeles.
“Toda a percepção de orientação sexual está sendo contestada pela geração do milênio”, explicou Lucie Greene, diretora mundial da JWT Intelligence, a divisão de previsão de tendências da J. Walter Thompson. “Entre os jovens da Geração Z, a separação entre homens e mulheres está cada vez menos nítida.”
É uma geração que se rende à atração das grifes, mas é cética em relação ao branding e aos looks que já vêm prontos. Seus membros compram on-line em lojas como Muji, Uniqlo e Everlane, em busca de roupas simples e que não os distingam muito.
Alguns deles podem gostar da Telfar, empresa de Nova York criada há 11 anos e que tem uma coleção do tipo “um look igual para todos”, composto de camisetas regata, trench coats, calças e tops de brim que lembra renda.
As narrativas transgêneros estão ingressando no mainstream por meio de modelos transgêneros como Andreja Pejic e Lea T, que encabeçam grandes campanhas de moda e beleza, além de megacelebridades como Caitlyn Jenner e programas de TV como o seriado “Transparent”, da Amazon, cujo protagonista Mort (Jeffrey Tambor) se assume perante seus filhos como Maura.
Neste ano, a Selfridges, de Londres, dedicou uma parte importante de seu espaço de vendas para a Agender, uma espécie de loja dentro de sua loja, habitada por grifes unissex como Nicopanda, Ann Demeulemeester e Yang Li.
Ed Burstell, gerente da Liberty, de Londres, considerou a iniciativa “esclarecida”.
“A loja assumiu um risco ao dedicar uma fachada completa de vitrines e todo aquele espaço a algo que poderia tanto ter feito sucesso quanto ter fracassado”, comentou. “Mas o fato impôs uma discussão que precisávamos ter.”
Quem está impulsionando a tendência são artistas e profissionais independentes.
“É uma coisa muito feminina”, disse o DJ e curador musical Coleman Feltes, falando de sua camisa estampada com margaridas, rosas e borboletas.
Feltes, que estava voltando com seus filhos na semana passada para casa, usou a camisa com bermudas em estampa militar, criando um visual street.