A China está gastando centenas de bilhões de dólares por ano para assumir uma posição de liderança na pesquisa biomédica. O esforço inclui a construção de dezenas de laboratórios e a formação de milhares de cientistas. No entanto, alguns especialistas temem que limites éticos estejam sendo violados.

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Cientistas de todo o mundo ficaram chocados, em abril, quando uma equipe liderada por Huang Junjiu, 34, da Universidade Sun Yat-sen, em Cantão, publicou os resultados de uma experiência com a edição dos genes em embriões humanos.

A tecnologia, chamada Crispr-Cas9, poderá um dia ser usada para erradicar doenças hereditárias. No entanto, teoricamente, ela também poderia servir para alterar características tais como a cor dos olhos ou a inteligência. Os chineses tentaram modificar um gene que causa uma doença do sangue chamada beta-talassemia. O experimento fracassou em 85 embriões. Cientistas ocidentais geralmente se opõem a esse tipo de pesquisa, argumentando que ela equivale a submeter seres humanos à engenharia genética.

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“O consenso na comunidade científica é: ‘Por enquanto, não’”, disse Huso Yi, diretor de pesquisa do Centro de Bioética da Universidade Chinesa de Hong Kong.

Porém, os cientistas chineses não parecem dispostos a esperar. “Não acho que a China queira aceitar uma moratória”, disse Yi. O estudo da ética na formação de cientistas só foi adotado na China há cerca de 12 anos, por pressão do Ocidente.

“A ‘linha vermelha’ não é muito parecida no Ocidente e na China”, disse Deng Rui, especialista em ética médica da Universidade Médica de Shanxi.

“O pensamento de Confúcio diz que alguém só se torna uma pessoa depois de nascer”, acrescentou. “É diferente dos EUA e de outros países com influência cristã, onde, por causa da religião, pode haver a sensação de que não é correto fazer pesquisas com embriões.”

O Estado impõe limites, disse Deng. “Nossa ‘linha vermelha’ aqui é que você só pode fazer experiências com embriões de até 14 dias de idade.”

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Os cientistas chineses aderem às normas éticas e científicas globalmente aceitas, segundo Zhai Xiaomei, integrante do Comitê Nacional de Ética Médica do país. No entanto, muitos cientistas sofrem pressão contra isso, admitiu ela. “Dentro de China há pessoas que se opõem às normas internacionais, citando diferenças culturais”, disse Zhai. “Essa força às vezes é muito poderosa.” “Elas dizem, por exemplo, que devemos usar o pensamento confucionista para resolver os problemas, já que as normas internacionais são ocidentais, ao passo que nós temos nossa cultura oriental. Porém, discordamos totalmente desse ponto de vista.”

No caso da experiência de Huang, a comissão nacional decidiu que ela era eticamente aceitável, pois “não era para fins reprodutivos”, segundo Zhai.

“Eles escolheram usar embriões que logo seriam destruídos. Até agora, consideramos essa uma pesquisa básica, não intervenções ou edições em células germinativas”, disse Zhai.

“Se alguém quiser editar genes em células germinativas com a intenção de usá-las imediatamente, isso não é correto de forma alguma, porque a tecnologia ainda não amadureceu.”

Rao Yi, professor de biologia e diretor do Centro de Ciências da Vida da Universidade de Pequim, criado há quatro anos e mantido conjuntamente pela Universidade Tsinghua, advertiu que a pesquisa científica na China precisa urgentemente de uma supervisão ética mais eficaz. “Quanto mais tecnologia nós temos, mais perigosos nos tornamos para nós mesmos e para a humanidade inteira”, disse.

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Os cientistas chineses geralmente ganham mal, disse ele, mas podem receber um bônus de até US$ 32 mil do Estado por artigo publicado em revistas científicas internacionais, o que acaba sendo um incentivo para forçar os limites éticos.

“Faça primeiro, discuta depois”, é a atitude de muitos, escreveram Rao e dois colegas recentemente na iScientist, comunidade on-line voltada para pesquisadores chineses. Vários cientistas observam que novas surpresas científicas desagradáveis científicas são iminentes. “Neste momento, editar o gene humano é o principal”, disse Yi. Os geneticistas chineses “não querem ser guiados pelos ocidentais”.

Colaborou Vanessa Piao