Tudo começou com uma pitada de sarcasmo: israelenses irritados com a falta de ônibus no shabbat e nos feriados judaicos ocuparam a página de Facebook do ministro dos Transportes durante o Pessach (a Páscoa judaica), e a transformaram em um mural de caronas.
Nadav Maor queria ir até o norte do país, com “espaço no porta-malas” para levar equipamentos.
Miki Ezra Stranger precisava estar na sexta-feira à noite em um jantar na casa da avó, em Kiryat Motzkin, uma viagem de cerca de 110 km saindo de Ramat Gan.
Hamutal Adler, mãe solteira de dois filhos, era mais flexível: “Só quero pegar uma prainha”.
Nenhum deles conseguiu carona, mas suas mensagens serviram para reavivar o debate sobre o papel da religião no Estado.
O ministro dos Transportes, Yisrael Katz, disse que os caronistas são meros esquerdistas que não digeriram a vitória conservadora na eleição de março.
Aí a queixa virou pessoal: manifestantes cercaram a casa de Katz, e um parlamentar de esquerda apresentou um projeto de lei que o proíbe de usar seu carro oficial, uma minivan Chrysler, quando os ônibus não circularem.
“O transporte público é uma necessidade: acho que deveria ser como a eletricidade, a água ou o gás”, disse Omry Hazut, 27, que iniciou o protesto no Facebook.
“Esse vínculo entre Estado e religião é muitas vezes quebrado, mas só se você puder pagar. Se você puder comprar um carro, pode girar a chave e ligá-lo no sábado, mas, se não tiver, não tem nenhuma opção para sair de casa.”
Enquanto o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu tenta costurar uma nova coalizão de governo, que deverá ser composta por partidos de direita e religiosos, uma luta sobre a identidade israelense continua sendo travada.
A polêmica sobre o transporte é parte de um debate maior sobre a chamada Lei da Nacionalidade, que busca redefinir a relação entre a democracia israelense e o seu caráter judaico.
Os judeus ortodoxos não usam veículos a motor no shabbat (entre o anoitecer de sexta e o anoitecer de sábado) e em feriados devido à proibição de inflamar combustível, criar faíscas e viajar para além de determinadas distâncias.
Os seguidores dessas prescrições talvez representem apenas um quinto da população, mas outros judeus, que dirigem, veem a proibição da circulação de ônibus como uma forma importante de diferenciar o Estado judeu.
“Imagine se houvesse transporte público como nos dias de semana. Não saberíamos que é shabbat em Israel”, disse Aryeh Stern, um dos rabinos-chefes de Jerusalém.
“Quando você anda nas ruas das cidades, você pode sentir o shabbat; a santidade do shabbat é marcante e presente. Isso oferece o fundamento mais importante para o direito de Israel a continuar sendo um Estado judeu, onde o Shabbat é sentido.”
Mas um grupo em Jerusalém criou uma cooperativa que opera um serviço de micro-ônibus nas noites de sexta-feira.
A vereadora Laura Wharton, que preside a cooperativa, disse que “a religião é um aspecto da cultura judaica, mas não é o único. Você pode ser bom francês sem amar croissants; você pode ser um bom cidadão judeu, mas não participar da religião.”
Com reportagem de Irit Pazner Garshowitz e Myra Noveck