Em julho de 2010 jovens ucranianos despreocupados lotaram a praça da Independência, em Kiev, para um show de uma drag queen, com música pop e ritmos tecno.
"Foi uma coisa tão cosmopolita, tão de Primeiro Mundo. Só poderia acontecer em um país em paz", comentou Jessica Oreck, documentarista americana que filmou o evento. "Não era Paris, mas não tinha o menor clima de um país prestes a se fragmentar."
Nos últimos anos, cineastas de não ficção foram à Ucrânia para relatar histórias diferentes. Uma delas é o ensaio visual de Oreck sobre história, medo e narração de histórias, "The Vanquishing of the Witch Baba Yaga" (A derrota da bruxa Baba Yaga).
Outros trazem narrativas mais diretas, como "Love Me" (Ame-me), sobre mulheres que se cadastram em sites para interessados em casamento; "The Theory of Happiness" (A teoria da felicidade), sobre uma comunidade utópica, e "Ukraine Is Not a Brothel" (A Ucrânia não é um bordel), de Kitty Green, que acompanha a trajetória das ativistas do Femen.
Esses documentários estão começando a entrar para o circuito dos festivais de cinema, numa onda que, segundo Charlotte Cook, diretora de programação do festival Hot Docs, de Toronto.
Ela indica que "os documentaristas são altamente intuitivos. Eles não apenas sentem o que está acontecendo, como pressentem o que está por acontecer."
"A beleza do documentário é que ele contextualiza. Através destas histórias, o espectador tem uma visão de como o povo e o país realmente são."
Costuma-se dizer que seria difícil encontrar um canto do planeta onde não haja um documentarista pesquisando alguma coisa.
É lógico, então, que muitos dos pequenos passos que conduzem aos grandes acontecimentos mundiais serão, cada vez mais, captados em vídeo. Na Ucrânia, esses cineastas estavam presentes em campo antes da crise atual e da interferência russa.
"Havia alguma coisa borbulhando debaixo da superfície", explicou Oreck. "No folclore eslavo, coisas ruins podem acontecer nos momentos de limiar, como quando você acorda, quando está embriagado ou está dentro e fora de casa. A própria Ucrânia ocupa um desses limiares: está situada entre o Oriente e o Ocidente."
Mas, mesmo com o foco de seu filme voltado a temas tão grandes, a diretora não previu o que estava por vir. "Isso faz com que eu me sinta muito pequena", ela disse.
Gregory Gan, diretor de "The Theory of Happiness", não se diz surpreso com a crise política.
Residente no Canadá mas originário da Rússia, ele estuda as comunidades alternativas que surgiram desde a dissolução da União Soviética. "Após a queda da URSS, as pessoas se sentiram perdidas", ponderou.
No filme, Gan ingressa num coletivo chamado Portos (Associação Poética para o Desenvolvimento de uma Teoria da Felicidade Universal) e mostra os esforços do grupo para aprimorar o mundo, através de meios dúbios.
"A ascensão deste tipo de comunidade assinala uma crise social", ele opinou. Mas ele e outros diretores preferiram não traçar vínculos diretos entre seus filmes e a turbulência recente na Ucrânia.
Para Kitty Green, cabe a ela não relatar os fatos, mas narrar uma história. "Meu filme é uma série de retratos íntimos."
Jessica Oreck diz que a imprensa mostra "o que acontece na Ucrânia como preto ou branco. Mas raramente é assim. E um documentário pode tratar da área cinzenta."
Nenhum dos diretores disse que pretendia atualizar seus trabalhos com referências à crise recente. Os momentos, emoções e vidas humanas captados em seus filmes não podem ser reduzidos a sinais numa linha do tempo.
"Meu filme não é sobre atualidades", disse Oreck. "Quero realmente que seja válido para qualquer tempo."