Helen McKendry fazia compras pouco tempo atrás quando viu o antigo vizinho que seria integrante do Exército Republicano Irlandês (IRA, na sigla em inglês) e que havia invadido sua casa 42 anos atrás para sequestrar sua mãe.
Eles se encararam e depois seguiram em frente.
Assim tem sido a vida de McKendry e seus nove irmãos, filhos de Jean McConville, viúva, que o IRA erroneamente suspeitava ser uma informante e por isso foi arrancada da sala de estar na frente da família em determinada tarde de 1972. Ela foi morta com um tiro na nuca e enterrada numa praia na República da Irlanda. O corpo só foi descoberto em 2003, quando foi exposto por uma tempestade.
As crianças cresceram e tocaram suas vidas conhecendo as identidades da maioria dos homens e mulheres que levaram a mãe, mas nunca ousaram procurar a polícia. Eles contam que ainda veem os sequestradores pela cidade, até mesmo na lista de candidatos à eleição pelo Sinn Fein, antigo braço político do IRA e um dos principais partidos políticos da Irlanda.
Agora, porém, McKendry, 56 anos, a filha mais velha da família, disse que não tem mais medo de falar. Fora de casa quando os sequestradores invadiram a residência, ela disse que os irmãos relataram os nomes dos envolvidos logo em seguida. McKendry afirmou ter dado os nomes à polícia em março, quando se convenceu de que iriam investigar o assassinato a sério. Ela também entrou com uma ação civil contra o Sinn Fein.
"Se quiserem dar um tiro na minha cabeça, eles sabem onde eu moro", ela declarou diante de casa em Belfast. Numa cidade onde muros de até 13 metros de altura ainda separam católicos e protestantes, uma muralha muito diferente se formou ao longo dos anos graças ao silêncio temeroso em relação às injustiças cometidas dentro dessa mesma comunidade, primeiro a serviço da guerra e, mais tarde, depois que o tratado de paz da Sexta-Feira Santa de 1998 deu fim a décadas de violência.
Porém, rachaduras vêm aparecendo nessa muralha. Primeiro, relatos confidenciais de antigos membros do IRA foram solicitados de um projeto de história oral do Boston College, em Massachusetts, nos Estados Unidos. Depois em abril, Gerry Adams, o líder do Sinn Fein que foi decisivo nas negociações do acordo da Sexta-Feira Santa, foi interrogado sobre o assassinato de McConville.
Um dos irmãos de McKendry, Michael McConville, também afirmou desejar a paz, mas que permaneceria em silêncio, temendo as consequências para a família. "Eu sei do que eles são capazes", McConville declarou a respeito do IRA, oficialmente extinto desde 2005, mas ainda presente.
O bairro de Divis Flats na zona oeste de Belfast, onde a família McConville residia, anda tenso. Grafites recentes apareceram na área denunciando "informantes republicanos" e "dedos-duros". Na Falls Road, um mural novo de Adams foi pintado às pressas após sua breve prisão em maio. "Líder, pacificador, visionário", diz uma de suas legendas.
A exemplo de outras vítimas dos anos turbulentos na Irlanda do Norte, principalmente entre aquelas cujos agressores vieram da própria religião e bairro, os McConvilles têm vivido sem justiça, a seu ver vítimas de uma decisão política segundo a qual o melhor caminho para um futuro pacífico no país é esquecer o passado em vez de se dar início a uma tentativa agressiva de responsabilização.
Os moradores mais jovens expressaram uma solidariedade cautelosa em relação à busca pela verdade dos McConvilles. "Se o caso fosse na minha família, eu gostaria de pensar que lutaria até que essa vontade terminasse", disse Donna, 29 anos, que, como muitos dos residentes daqui, não quis informar o sobrenome. Entretanto, ela também temia que o fato desencadeasse uma nova onda de violência. "A maioria das pessoas daquela época ainda vive aqui no bairro".
Quando McKendry começou a fazer uma campanha para recuperar o corpo da mãe em 1995, apelando para dicas anônimas de onde ela poderia ter sido enterrada, dois de seus filhos foram espancados, o carro sofreu vandalismo e o marido foi ameaçado à mão armada.
Michael McConville, que tinha 11 anos de idade quando a mãe foi raptada, afirmou que um dia poderia ser capaz de perdoar as pessoas que mataram sua mãe.
"Só que alguém precisa pagar por isso. Eu não estou preparado para escolher entre a paz e a justiça".
Colaborou Douglas Dalby