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Alimentação

França briga por alimentos frescos

 | Dmitry Kostyukov para The New York Times
(Foto: Dmitry Kostyukov para The New York Times)
Representantes de empresas alimentícias visitam bistrôs oferecendo catálogos atraentes e cálculos de margem de lucro. Kodad Chafik, assistente do chef do Les Philosophes, preparando vieiras frescas |

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Representantes de empresas alimentícias visitam bistrôs oferecendo catálogos atraentes e cálculos de margem de lucro. Kodad Chafik, assistente do chef do Les Philosophes, preparando vieiras frescas

Se você se sentar à mesa de um bistrô parisiense, por mais gracioso que ele seja, são grandes as chances de que a sopa de cebola, o patê e o boudin blanc à sua frente não tenham sido preparados com ingredientes frescos, entregues pela manhã.

Embora a França seja conhecida como a capital mundial da gastronomia, atualmente é muito mais provável que aquela entrada apetitosa ou a sobremesa suculenta tenham, pelo menos parcialmente, sido preparadas por uma empresa alimentícia gigantesca, congeladas e apenas aquecidas antes de serem servidas.

"O uso de alimentos industrializados em restaurantes é um fenômeno mundial", afirma Daniel Fasquelle, membro da Assembleia Nacional, "mas na França é uma questão de patrimônio. Se não fizermos nada, daqui a dez anos os restaurantes de verdade serão exceção".

Em breve a lei do país exigirá que os restaurantes indiquem os pratos frescos com o símbolo "fait maison", ou "feito em casa".

Porém, os donos dos estabelecimentos que defendem a comida fresca reclamam que o governo precisa ir além e exigir que o cardápio indique os itens congelados.

Quem não gostou da sugestão foram as empresas agroalimentares. Embora a qualidade dos produtos congelados tenha melhorado, elas temem que o fato de serem identificadas no cardápio possa reduzir os lucros de um negócio que está crescendo graças às mudanças nos hábitos alimentares e aumento nos custos de mão de obra e alimentos.

Estrelas da alta gastronomia francesa como Alain Ducasse e Joël Robuchon oferecem seu próprio selo de "Restaurant de Qualité" para estabelecimentos que cumpram com os padrões dos pratos e do ambiente. Somente dez por cento dos cem mil restaurantes do país estão qualificados já que a maioria "só serve comida industrializada", explica Ducasse.

Em uma pesquisa recente, anônima, cerca de trinta por cento das casas em todo o território nacional admitiram lançar mão de refeições prontas, mas Xavier Denamur, líder do movimento pró-comida fresca que possui cinco restaurantes na área turística do Marais, calcula que esse número suba para 70 por cento quando o critério considera ingredientes como peixe congelado como parte do prato caseiro.

Dias atrás no Le Petit Paris, um bistrô aconchegante no Marais, Alexandre Castagnet colocou na lousa os pratos do dia: velouté de couve-flor, presunto e outros pratos feitos somente com ingredientes frescos entregues aquela manhã.

Antes de ele e seu sócio assumirem a casa, no entanto, a história era bem diferente. "Os antigos donos usavam alimentos industrializados, que ficavam guardados em dois freezers enormes", descreve Castagnet. "Quando o pessoal fazia os pedidos, tiravam o pacote de lasanha congelada, vitela ou o que quer que fosse, jogavam no micro-ondas e pronto, serviam", completou.

Pães e massas também seguem a mesma tendência. Pelo menos metade das tortas, bolos e doces é feita em uma cozinha industrial central e aquecida no local. Até 80 por cento dos croissants são feitos assim, revela Philippe Godard, porta-voz da Federação Nacional de Padarias e Confeitarias.

"Há uma falta grande de mão de obra especializada e ninguém mais está disposto a acordar às duas da manhã para preparar massa", confessa Hubert Jan, representante do UMIH, Sindicato dos Hotéis e Restaurantes Franceses. "Para os restaurantes que querem se manter competitivos, montar um cardápio em cima de pratos prontos é economicamente atraente, mesmo que ninguém tenha coragem de admiti-lo", diz Jand.

Um dos principais sinais que "entrega" o processo industrial é um cardápio excessivamente longo. "Se o cardápio for quilométrico, a cozinha tem que ser proporcional para que tudo seja realmente fresco", ele conclui.

"Não quero falar sobre isso", dispara Bernard Grateloup, dono do Café de la Poste em Carmaux, sul da França. Ele faz parte do grupo de proprietários que se recusou a falar depois de ter ido à imprensa confessar que compravam carnes, legumes e outros pratos congelados porque eram de boa qualidade. Os baixos custos os ajudavam a melhorar as margens de lucro mínimas e oferecer refeições a preços acessíveis à clientela.

Castagnet afirma que os representantes de quase todos os maiores conglomerados da Europa — Davigel da Nestlé, Brakes Group, Bonduell e Metro — visitaram seu bistrô e vários outros, trazendo catálogos imensos, dispostos a calcularem os lucros/item. E conta que um vendedor explicou como um bolo de chocolate de 50 centavos era feito para "parecer caseiro" e poder ser requentado no micro-ondas e vendido a 6 euros. Dependendo do número de itens que substituídos no cardápio, poderia livrar até o custo total de um funcionário.

No restaurante de Denamur ali perto, Les Philosophes, o alto custo do preparo das refeições a partir do zero é repassado ao cliente disposto a pagar mais pela qualidade — como, por exemplo, um confit de pato a 25 euros comparado com os 16 euros do café da esquina.

Castagnet conclui: "Se você administrar a cozinha direito, pode ter uma boa relação custo/benefício mesmo usando ingredientes frescos."

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