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Cônicas dos EUA

Francófonos mantêm a língua viva

Jim Soileau, ao meio, e Mark Layne fazem sua parte para manter o francês vivo, usando-o durante seu programa de rádio de Ville Platte | Edmund D. Fountain/The New York Times
Jim Soileau, ao meio, e Mark Layne fazem sua parte para manter o francês vivo, usando-o durante seu programa de rádio de Ville Platte (Foto: Edmund D. Fountain/The New York Times)

“Qui c’est qui parle?” Jim Soileau perguntou, a voz grave enchendo o estúdio da rádio KVPI.

Quem fala?

As linhas telefônicas estavam abertas para “La Tasse de Café” (“A Xícara de Café”), um dos últimos vestígios da programação de língua francesa no rádio da Louisiana.

Soileau, de 77 anos, chegou antes do amanhecer para ler as notícias em francês. Às oito, começou a dar as boas-vindas às vozes que começavam a vir dos arrozais e das cidadezinhas minúsculas da Paróquia de Evangeline. Alguns ouvintes, já idosos, relembravam o francês que tinham aprendido com os pais; outros, mais jovens, tinham dificuldade com a língua.

Presença garantida nessa rádio pequena desde meados dos anos 60, “La Tasse de Café” funciona como um fórum para fofocas e diversão leve, verdadeiro espaço para a confraternização geral só interrompida pelas cartas de amor de Soileau aos patrocinadores como a Teet’s Food Store. (“N’oubliez pas les spéciales, não se esqueçam das ofertas: les cuisses de poulet, coxa de frango, pacote de 2,2 kg por US$3,45!”, disse ele na segunda.).

O programa também é uma iniciativa para manter vivo o francês da Louisiana.

“Não estamos perdendo a música, nem a culinária, mas sim o que considero o mais importante, que é a língua”, afirmou o diretor geral da rádio Mark Layne, em seu escritório, nessa cidade de 7.500 habitantes a oeste de Nova Orleans.

O francês foi introduzido no estado no final do século XVII e floresceu no século XVIII, com a chegada dos cajuns expulsos da Nova Escócia pelos britânicos.

O preconceito contra os agricultores que falavam o idioma e um mandato de 1921 que exigia que as escolas públicas só usassem o inglês contribuíram para o sumiço da língua. Os mais velhos, aliás, se lembram de terem sido castigados por usá-la.

Um movimento de resgate do orgulho cajun teve início nos anos 60 e a retomada das raízes francesas continua até hoje, com programas de imersão que atendem a mais de quatro mil estudantes.

Só que, de acordo com o censo, em 1990, a Louisiana tinha mais de 250 mil francófonos; em 2013, eram apenas cem mil.

“A minha geração é parcialmente culpada por isso”, admite Charlie Manuel, de 73 anos, que apresenta “La Tasse” às sextas.

Há, porém, esperança de que o programa, assim como um pequeno grupo de acadêmicos, ativistas e músicos, tenha força para recuperar o idioma até que ele possa ressurgir novamente.

Barry Jean Ancelet, famoso folclorista da Universidade de Louisiana em Lafayette, sugere que os francófonos do estado se espelhem no exemplo do hebraico, língua praticamente morta que foi revivida pelos sionistas do século XIX.

“É claro que todas as indicações mostram que ela está diminuindo a proporções alarmantes, mas, ao mesmo tempo, dá para perceber que há muitas atividades e principalmente criatividade”, afirma ele.

A prefeita Jennifer Vidrine determinou que toda a sinalização de rua seja bilíngue. Na igreja católica Sagrado Coração de Jesus, o padre Jason Vidrine começou a fazer sermões em “franglês”.

Na cidade de Mamou, o pessoal local se reúne na T-Boy’s Slaughter House para degustar o boudin preparado pelo proprietário, Paul Berzas, que conversa em francês com os clientes mais antigos.

Na rádio, Soileau papeia com um ouvinte sobre as variantes regionais da palavra “galo”, que aqui é “gaime”, mas que em Houma, por exemplo, a 2,5 horas a sudeste, é “corusse”.

“Un autre call, Jim”, anuncia Layne.

“Qui c’est qui parle?”, diz Soileau.

Contribuiu Alain Delaquérière

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