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Adotando uma tática comumente usada pela 3G Capital – o grupo brasileiro de investimento privado por trás da fusão entre Heinz e Kraft Foods – um número cada vez maior de empresas alimentícias e produtos ao consumidor está pedindo aos fornecedores até quatro meses para pagarem suas dívidas, embora exija de seus próprios clientes pagamento em, no máximo, trinta dias.

A prática é impeditiva para as empresas, principalmente as menores, que têm pouco estofo de proteção. Antigamente, esses prazos estendidos geralmente indicavam que a companhia estava passando por problemas de fluxo de caixa; hoje em dia, porém, as corporações passaram a impor as novas datas apenas como estratégia comercial, segundo os analistas.

A Diageo, fabricante de bebidas europeia, pede 90 dias para pagar suas contas; a Mondelez, Mars e Kellogg, querem 120. A lista de nomes que engrossam a lista parece mais uma versão comercial do Quem É Quem: Church & Dwight, Procter & Gamble e Heinz estão entre as que querem termos de pagamento mais generosos.

De acordo com os especialistas, a maioria o faz para tentar maximizar o uso do capital; ao empurrar os pagamentos para 90 ou 120 dias, as empresas têm mais dinheiro para realizar outros projetos. A Mondelez, por exemplo, está comprando ações de volta; a Kellogg está no meio de uma reestruturação e a Procter & Gamble, que estendeu seus prazos de quitação para 75 dias em 2013, até agora já engordou seu fluxo de caixa com US$1 bilhão.

“Estender os termos de pagamento nos permite um melhor alinhamento com as práticas da indústria e garante uma competitividade mais uniforme, ao mesmo tempo em que reforça a transparência e a previsibilidade do processo”, escreveu em um e-mail Valerie Moens, porta-voz da Mondelez, fabricante dos chocolates Cadbury, biscoitos Honey Maid e outras marcas.

Kris Charles, porta-voz da Kellogg, escreveu dizendo que a companhia iniciou um novo programa de financiamento na cadeia de fornecimento no ano passado, estendendo assim os prazos de pagamentos para 120 dias. “Isso dá a Kellogg e aos nossos fornecedores mais flexibilidade para administrar os negócios com mais eficiência, pois melhora a gestão do fluxo de caixa”.

As empresas não disponibilizaram nenhum executivo para falar da medida, preferindo divulgar apenas comunicados breves; já os fornecedores falam, mas não citam nomes, o que mostra o desequilíbrio de poder em relação a seus clientes poderosos.

“Uma hora os custos financeiros adicionais com que os fornecedores têm que arcar por não receberem imediatamente passam a se refletir nos preços ao consumidor”, afirma V. G. Narayanan, chefe da unidade de contabilidade da Faculdade de Administração de Harvard.

No Reino Unido, a Associação de Agências de Marketing estimulou seus membros a “fazer greve” em abril contra a Anheuser-Busch InBev, a gigante do setor cervejeiro, depois que a empresa começou a rever seus termos, incluindo a aprovação de um prazo de pagamento mais longo que 120 dias e pedido de trabalho pro bono.

Para Martin Sorrell, CEO do Grupo WPP de publicidade, tais práticas podem transformar fornecedores em credores. “Não acho que o nosso objetivo seja lidar com transações bancárias, nem termos estendidos de pagamento, muito menos concordar com termos de pagamento de fornecedores a juros baixos; não somos uma instituição bancária”, disse ele a Advertising Age.

Stephen Brock se diz surpreso pelo fato de a revolta contra a Anheuser-Busch InBev não ter acontecido antes. Entretanto, o dono da Supplied Industrial Solutions, de Granite City, em Illinois, fornecia válvulas, instrumentos processadores e sistemas mecânicos para a Anheuser-Busch.

A corporação representava cerca de cinco por cento de seu volume total de vendas – até que Brock concluiu que seria melhor perder o negócio do que esperar quatro meses para ser pago.

Ainda faz negócio com a corporação, mas em uma escala bem menor, e recebe através de cartão de crédito. “Os bancos estão restringindo os financiamentos, principalmente para pequenas empresas como a minha, então a coisa fica ainda mais complicada de administrar”, lamenta ele.

Em março, a Diageo, dona de marcas como Johnnie Walker, Tanqueray e outras bebidas, teve que recuar no Reino Unido depois que o Fórum de Negócios Privados, organização que representa pequenas e médias empresas, questionou a prática. Irit Tamir, do programa Oxfam America – que procura garantir que as multinacionais não tirem vantagem de pequenos produtores e fornecedores nos países em desenvolvimento, se confessou preocupada.

“A tendência é que essas coisas acabem se refletindo na cadeia de fornecimento e sabemos que os agricultores pequenos de óleo de palma, café, cacau e outras matérias-primas já têm que lidar com um risco considerável no dia a dia”, diz ela.

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