“Seu filho da mãe.”
Essa foi a resposta impulsiva de Helen Mirren, via e-mail, ao saber que Peter Morgan tinha escrito uma peça sobre a rainha Elizabeth, “The Audience”, e contava em protagonizá-la.
“Foi um dia terrível. E quando li o roteiro, meu coração quase parou: eu ficaria duas horas no palco”, explica a atriz.
Entretanto, não foi o desgaste que, a princípio, a fez paralisar, mas sim a ideia de retomar uma personagem que já lhe rendeu tantos elogios. A estrela ganhou diversos prêmios, inclusive um Oscar, por encarnar Elizabeth Windsor no filme de 2006, “A Rainha”, também escrito por Morgan. Voltar a usar as roupas fora de moda, com direito aos chapéus combinando, e a segurar aquela bolsa mais uma vez poderia gerar comparações desfavoráveis ao estrondoso sucesso anterior.
“Eu estava decidida a não fazer. Estava tentando me desvencilhar do papel”, ela admite.
Mas então como é que ela encabeça o elenco de “The Audience”, em prévia na Broadway, depois de estrelar uma temporada de casa cheia no West End de Londres, em 2013?
“Entrei na sala de ensaios e lá estava o grande cenógrafo Bob Crowley; Stephen Daldry, um dos maiores diretores teatrais da atualidade; Robert Fox, o produtor e Peter Morgan.
Olhei para aquela equipe e pensei comigo mesma: ‘Não seja idiota. Você não pode desperdiçar essa chance’. Não é todo dia que se reúne um grupo como esse”, explica.
No dia em que nos encontramos, Helen se atrasou. A manhã tinha sido complicada e talvez ela tivesse que reagendar a entrevista, mas preferiu não fazê-lo – e ao falar da mulher enigmática que há anos tenta incorporar com perfeição, revela uma admiração especial pelo seu senso de dever. É óbvio que tem uma noção bem definida de quem é.
“Interpretei a rainha já mais velha, mas foi sua versão mais nova que estudei”, conta, acrescentando que, para isso, viu muitos filmes antigos. “Teve um trecho em particular que achei muito emocionante e verdadeiro: ela, aos onze ou doze anos, bem novinha, num daqueles carrões pretos. E sai, de casaco e luvas, caminha até um homem bem alto, de cartola, e, bem séria, lhe estende a mão.”
“Você percebe um senso extraordinário de zelo, de consciência ao fazer algo que esperam que faça. Àquela altura, ela nem sonhava que seria rainha. E o conseguiu graças a um profundo senso de responsabilidade.”
Enquanto “A Rainha” explora as tensões dentro e sobre a família real após a morte da princesa Diana, “The Audience” dramatiza uma seleção de reuniões semanais que a rainha tem com seus primeiros-ministros ao longo dos anos.
“Seu comportamento é totalmente formal. Para mim, o mais incrível é tê-la visto como uma menininha, aos onze anos, e como é hoje, aos 88.” (A atriz, que tem 69 anos, convence na pele de Elizabeth, aos 26, com o primeiro primeiro-ministro, nada mais, nada menos que Winston Churchill; em flashbacks rápidos, outra atriz encarna Elizabeth, a princesa.)
E embora o ponto de vista de Morgan em relação a Elizabeth em “A Rainha” seja de compaixão e respeito, em “The Audience” a sensação que se tem é de algo que se aproxima à verdadeira afeição. Como a atriz observou: “A peça é bem engraçada; nela,
Elizabeth revela um senso de humor bem mordaz”.
Helen também passou a encarar a mulher que retrata com admiração e carinho explícitos. “Tenho muitas dúvidas em relação à instituição da monarquia em geral. Acho que Peter Morgan, Stephen Frears e eu não somos monarquistas, mas sim o que ele chama de ‘rainhistas’”.â¯Frears foi quem dirigiu “A Rainha”.
Helen fala da rainha com respeito e estima, da mesma forma que Morgan se refere à estrela. Sua habilidade em exibir lampejos de sentimento através de uma figura cuja pessoa pública permanece irremediavelmente impassível, como ele enfatizou, é o principal elemento do sucesso tanto do filme como da peça – e embora Helen goze de um certo grau de fama, sabe que há uma diferença bem grande entre ser estrela de cinema e parte da realeza.
“O mundo em que eles vivem é tão distante da nossa compreensão que não dá para ter ideia. De nada”, observa ela.
Várias pessoas que trabalham com a família real assistiram à peça em Londres, mas não a personagem principal. “Eu gostaria que a rainha tivesse ido ver, mas teria sido impossível”, afirma Helen.
“Acho que ela teria sentido orgulho de si mesma. Tenho certeza de que tem consciência do que fez e faz, mas sentiria a afeição que emana do público. Quando fiz meus agradecimentos, ao final do espetáculo, não era a mim que estavam aplaudindo, e sim a rainha.”