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Hollywood esvazia conquistas do rap

50 Cent em “Rich or Die Tryin”, o filme de 2005 baseado na história original do astro do rap | Michael Gibson /Paramount
50 Cent em “Rich or Die Tryin”, o filme de 2005 baseado na história original do astro do rap (Foto: Michael Gibson /Paramount)

O grupo NWA, que trouxe o gangster rap para a corrente dominante, enfurecendo os conservadores e o FBI no caminho, veio com força e terminou rápido. A formação mais marcante —Dr. Dre, Ice Cube, Eazy-E, MC Ren, DJ Yella— manteve-se por apenas dois anos. Já o grupo como um todo durou cerca de cinco anos, do final dos anos 1980 ao início dos 1990.

Ainda assim, o NWA [sigla de Niggaz Wit Attitudes] reuniu várias vidas naquele curto espaço de tempo. Muitas das quais —mas não todas— ganham espaço no filme biográfico “Straight Outta Compton”.

Nele, vemos os membros do grupo como adolescentes da cidade de Compton (subúrbio de Los Angeles) como colaboradores e, com o tempo, agitadores. O que não vemos muito, porém, são eles como astros bem-sucedidos do rap. À parte algumas cenas que mostram quão rapidamente o NWA se tornou um grupo que enche estádios, e alguns flashes dos excessos —basicamente dinheiro e mulheres— que vieram com seu triunfo, o período mais robusto do grupo é geralmente obscurecido no filme por outras preocupações.

O esvaziamento da era das maiores conquistas do NWA é coerente com o modo como Hollywood trata o hip-hop.

Como a maioria dos filmes de hip-hop anteriores, “Compton” é muito melhor ao captar o grupo —e por extensão o hip-hop— como produto da dificuldade. Naturalmente, ver pessoas que superam grandes adversidades graças a seus dons criativos tem um forte impacto narrativo. Todo mundo adora um azarão que dá certo.

Mas e um rei? Quando se trata de captar o sucesso do hip-hop —o período que vem depois da ascensão—, Hollywood é no máximo ambivalente. Se o hip-hop ainda fosse uma história de perdedores, isso seria compreensível, mas o gênero está no centro da cultura pop, tanto do ponto de vista comercial quanto do estético. Ele já cunhou várias gerações de astros. O cinema talvez seja o último lugar onde é infantilizado.

Há uma clara tensão entre as duas partes de “Compton”: seu início heroico —em que cinco astros improváveis abrem caminho para a fama e a infâmia— e sua conclusão prolongada, cheia de discussões sobre contratos, o declínio e a morte de Eazy-E em 1995 (por complicações ligadas à Aids) e reconciliações sentimentais.

O filme pula capítulos desconfortáveis da ascensão do grupo —o ataque de Dr. Dre à apresentadora de TV Dee Barnes e as acusações de insensibilidade racial e homofobia em “Black Korea” e “No Vaseline” de Ice Cube—, em favor daqueles que fazem seus membros parecerem azarões que deram certo, como sua discussão pública com o FBI (“Notorious”, em comparação, mostra o Notorious B.I.G. sendo violento com duas das mulheres mais importantes em sua vida, Faith Evans e Lil Kim).

Isso reflete, pelo menos em parte, quem está produzindo. Você pode sentir as mãos condutoras de Ice Cube, Dr. Dre e a viúva de Eazy-E, Tomica Woods-Wright —todos produtores-executivos— tentando melhorar a reputação do NWA.

“Compton” também se entrega à necessidade de finais bacanas em Hollywood. Dr. Dre e Ice Cube são vistos passando a seus próximos empreendimentos lucrativos: Dr. Dre sai da Death Row em fúria justificada e anuncia o nome de seu novo selo, Aftermath; Ice Cube trabalha no roteiro de “Friday”, o filme que lhe daria seu primeiro lugar real em Hollywood, hoje seu lar. A saúde precária de Eazy-E e sua morte são usadas como história de advertência e uma oportunidade para os antigos membros aguerridos do grupo encontrarem um terreno comum.

Apesar de todos esses defeitos, “Compton” é uma raridade: um filme de hip-hop produzido em estúdio, com orçamento de US$ 29 milhões, segundo o “The Hollywood Reporter” (são US$ 9 milhões a mais que “Notorious” e aproximadamente US$ 12 milhões a menos que “8 Mile”, de Eminem, ou “Get Rich or Die Tryin’”, de 50 Cent).

Há muitos outros ótimos filmes biográficos de rap a serem feitos —sobre Jay Z, Master P, Sean Combs, Tupac Shakur, Lil Wayne e a história da Cash Money Records.

Em uma era de câmeras em funcionamento perpétuo, a possibilidade de um filme sobre hip-hop robusto, honesto e com altos e baixos só aumenta. E, de certa maneira, já existe um: “Tupac: Resurrection”, o documentário póstumo impressionista de 2003 narrado quase completamente nas palavras do próprio Shakur. Ele foi um músico carismático e também um ator perspicaz. Um claro filho do NWA que compreende a arte da persuasão, ele fala francamente —sobre sua criação, sua ascendência improvável, sobre as más escolhas que fez no caminho e sobre coisas que só se revelariam más escolhas depois de seu assassinato em 1996.

Sua delicadeza e seu encanto resultam em um filme que entende o hip-hop não apenas como um meio de superar as dificuldades, mas também um lugar de emoções fáceis, uma zona de guerra que representa perigo real para seus heróis e um mundo sem finais bacanas.

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