As atualizações que recebo em minhas mídias sociais deram uma guinada sangrenta nas últimas semanas. Tenho visto corpos espalhados em campos e hospitais na Ucrânia e em Gaza. Tenho lido postagens de repórteres que se sentem ameaçados e horrorizados.
A geopolítica e a onipresença das mídias sociais fizeram o mundo encolher e se tornar um lugar aparentemente mais violento. Notícias sobre o saldo total de mortos surgem em nossos celulares, notícias no Facebook são repletas de apelos para agir em prol das vítimas, ao passo que o Twitter fervilha com reportagens, algumas feitas por profissionais e outras por cidadãos comuns, com cenas de caos.
Hoje não é mais preciso esperar o âncora de voz marcante entrar no ar e dar as notícias. Relatos de cidadãos são rapidamente amplificados por jornalistas. E os jornalistas que escrevem sobre o que veem muitas vezes postam no Twitter antes de consultar a Redação sobre a relevância de um determinado fato.
Testemunhar é a ferramenta mais antiga e talvez mais valiosa no arsenal do jornalista, mas torna-se algo diferente quando feito no calor do tempo real, sem pausa para reflexão. O testemunho sem edição é distribuído rápida e globalmente, e a reação pública é imediata. Com isso, os relatos se tornam mais viscerais e emocionais. Correspondentes de guerra que chegam a uma zona de conflito agora fazem um levantamento rápido da situação.
A ausência das camadas convencionais do jornalismo correspondentes transmitindo reportagens que são editadas para dar mais precisão ao texto tem colocado vários jornalistas sob escrutínio, principalmente por reagirem prontamente ao que presenciaram. Ayman Mohyeldin, correspondente da NBC News, foi supostamente afastado de Gaza após postar no Twitter, com o hashtag #horror, sobre um ataque israelense que matou quatro meninos palestinos.
Hoje em dia, o público espera saber exatamente o que um repórter descobre a cada segundo, e empresas jornalísticas, a fim de ganhar mais destaque, pressionam seus correspondentes a usarem mídias sociais para relatar suas histórias.
Anne Barnard, repórter do New York Times que cobre o conflito entre Israel e a Palestina, foi criticada no Twitter por não tuitar. Mas ela vê valor jornalístico nesse serviço. Entrevistada na National Public Radio, Barnard disse: "Acho que, em geraI, o Twitter traz mais benefícios do que problemas, mas vale a pena salientar que nossa função básica é relatar o que estamos fazendo no local. Portanto, nosso trabalho não é tuitar em tempo real".
A capacidade do Twitter de transmitir informações visuais o torna ainda mais importante para a narrativa das notícias. Muitas vezes, uma única imagem passa a representar grandes acontecimentos.
Barbie Zelizer, professora na Universidade da Pensilvânia, diz que as mídias sociais não alteraram substancialmente o vocabulário de guerra. "Há mais fotos de mais pessoas, mas elas ainda têm a mesma finalidade, que é nos dar um olhar de relance, uma janela para o conflito", explicou.
Todavia, não é mais preciso aguardar esses momentos.
O ato de testemunhar, um fundamento das reportagens de guerra, foi democratizado e disseminado de novas maneiras. O mesmo dispositivo que porta fotos de seu novo animal de estimação também transmite notícias das frentes de guerra.
Muitas pessoas não conseguem deixar de olhar devido ao que a autora Susan Sontag chamou de "a sedução perene exercida pela guerra". Para Sontag, o efeito é certeiro. "Fazer o sofrimento ter uma dimensão maior pelo fato de globalizá-lo pode incitar as pessoas a sentirem que deveriam se importar mais. E também faz que elas sintam que os sofrimentos e infortúnios são tão vastos, irrevogáveis e épicos que não podem ser modificados por qualquer intervenção política local."
No entanto, parece que, à medida que uma guerra se torna uma atividade mais remota, as postagens têm grande importância. Quando bombas explodem, pessoas reais muitas vezes estão no lugar errado e na hora errada, sendo as mais sacrificadas. E dar testemunho das consequências dá sentido ao que nós vemos.
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