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Crônicas dos EUA

Índios dizem que pregador não é santo

Há gerações, alunos da quarta série de escolas da Califórnia construíram modelos de igrejas das missões para celebrar o Reverendo Junipero Serra e as comunidades religiosas que ele estabeleceu ao longo da Costa Oeste no final do século 18. Em janeiro, o Papa Francisco anunciou planos para canonizar o Padre Serra, colocando “o evangelizador do oeste dos Estados Unidos” mais perto da santificação.

Porém, atualmente na Califórnia, o pregador que trouxe o cristianismo para os índios americanos é visto em termos menos benevolentes. Proeminentes nativos americanos não veem o Padre Serra como um santo. Historiadores indígenas o culpam pela supressão de sua cultura e pelas mortes prematuras de milhares de antepassados nas missões.

“Eu tinha grandes esperanças nesse Papa, que tem feito várias declarações de justiça social”, disse Deborah A. Miranda, índia Ohlone e professora na Virginia.

“Serra não nos trouxe apenas o cristianismo. Ele o impôs, sem nos dar escolha. Ele causou danos incalculáveis a uma cultura inteira”, ela disse.

Nascido em Maiorca em 1713, Padre Serra ingressou na ordem Franciscana em 1730. Ele se tornou um eminente professor de Teologia antes de abandonar a vida confortável para a evangelização nas Américas. De 1769 a 1835, 90 mil índios foram batizados, desde San Diego até San Francisco. Uma vez batizados, eles não podiam deixar as missões, e aqueles que escapavam eram capturados por soldados e devolvidos.

Os índios foram forçados a esquecer sua língua, trajes, religião, hábitos alimentares e de casamento. Milhares morreram expostos a doenças europeias contra as quais não tinham imunidade. Havia 310 mil índios no que hoje é a Califórnia em 1769, mas sobraram apenas 50 mil cem anos depois, de acordo com pesquisa da Universidade da Califórnia.

Americanos nativos se queixam não só de sabotagem cultural, mas também do que chamam de romantização da verdadeira história das missões por escolas, igrejas e a imprensa.

Eles ficaram especialmente chateados quando, em 1986, a Diocese Católica de Monterey, na Califórnia, onde o Padre Serra está enterrado na Missão de Carmel, divulgou um relatório que não encontrou nenhuma prova de maus-tratos aos índios.

O arcebispo de San Francisco, Salvatore J. Cordileone, disse que entendia por que os índios ficaram chateados, reconhecendo o ambiente de coerção. Porém, os missionários trouxeram a escola e a agricultura, ele disse.

“As potências europeias iriam descobrir este continente e se instalar aqui”, disse arcebispo Cordileone. “Os povos indígenas estariam melhor com os missionários ou sem os missionários? Eu diria que foi melhor com os missionários.”

A Missão Dolores, em San Francisco, foi fundada pelo Padre Serra em 1776. A igreja simples e branca contém um cemitério com lápides de pessoas com nomes espanhóis e irlandeses. No meio do pátio há uma estátua de um Padre Serra pensativo. Recentemente, dois primos, ambos índios Ohlone e católicos, sentaram-se à sombra nas proximidades. Andrew Galvan, curador da Missão, disse reconhecer que os índios foram maltratados, mas que lá “minha família se tornou cristã”. O Padre Serra, acrescentou, “continua a ser minha inspiração”.

Seu primo mais novo e assistente, Vincent Medina, foi menos tolerante. Canonizar “o líder do desastroso e genocida sistema missionário na Califórnia, é uma maneira de a igreja legitimar ainda mais a dor e o sofrimento dos Ohlone e de muitos outros índios da Califórnia”, disse ele.

Robert M. Senkewicz, professor de História na Universidade de Santa Clara, ao sul de San Francisco, disse que a história das missões foi um pouco distorcida.

“Havia comunidades indígenas por toda parte. O modo em que as missões contemporâneas são apresentadas não conta com os índios”, ele disse.

Nicole Lim, do Museu e Centro Cultural Indigena da Califórnia em Santa Rosa, disse: “Quando soube que o Papa fez isso, comecei a pensar que as pessoas não estão prontas para aceitar a verdade que temos. É desanimador”.

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