Há algo de claramente errado na inovação farmacêutica.
Apenas nos Estados Unidos, infecções resistentes a antibióticos afetam mais de 2 milhões de pessoas todos os anos e matam pelo menos 23 mil. A Organização Mundial da Saúde não tem como providenciar estatísticas globais, porque muitos países não divulgaram estimativas.
A OMS alertou que "uma era pós-antibióticos" pode estar no ar, quando "infecções comuns e ferimentos leves podem matar". Ainda assim, a indústria farmacêutica se mostra pouco entusiasmada em desenvolver drogas para o combate de tal calamidade.
Nenhum tipo importante de antibiótico foi desenvolvido desde o final da década de 1980, de acordo com a OMS. De 2011 a 2013, a FDA, órgão que monitora a indústria farmacêutica e de alimentos nos EUA, aprovou apenas três novas entidades moleculares para o combate a doenças bacterianas o menor número desde a década de 1940.
No entanto, a indústria farmacêutica está excepcionalmente otimista sobre o futuro da inovação médica. Mikael Dolsten, médico que supervisiona o departamento global de pesquisa e desenvolvimento da Pfizer, destaca que, se o avanço nos 15 anos anteriores a 2010 parecia lento, era porque se demorou a entender como transformar descobertas como o mapa do genoma humano em novos medicamentos. Há uma grande quantidade de novas drogas na fila, para tratamentos específicos contra o câncer, vacinas ultramodernas e terapias para doenças difíceis, como a hepatite C.
No entanto, cada vez mais antibióticos estão saindo do mercado anualmente ou porque as bactérias se tornaram resistentes a eles ou porque foram substituídos por medicamentos mais eficientes ou menos tóxicos. O arsenal contra infecções bacterianas encolheu para somente 96 diferentes moléculas no fim do ano passado, 17 a menos do que na virada do século.
Porém, muitas das grandes farmacêuticas decidiram abandonar essa linha de pesquisa. E poucas empresas estão entrando no segmento.
"Não tem havido incentivos suficientes para a indústria empreender 10 ou 15 anos de pesquisa", reconheceu Dolsten.
Os antibióticos não são obviamente lucrativos. Ao contrário dos medicamentos de combate ao câncer, que podem ser extremamente caros e necessários por um longo período, os antibióticos são mais baratos e prescritos apenas por períodos curtos.
Mas os antibióticos não são as únicas drogas ignoradas atualmente. Pesquisas sobre tratamentos contra o HIV/Aids também estão minguando, em grande parte porque os custos e o tempo necessários para o desenvolvimento aumentaram. As pesquisas sobre novas terapias cardiovasculares adotam, em sua maioria, drogas já conhecidas e menos arriscadas.
Doenças neuropsiquiátricas, como o Alzheimer e a depressão, são a principal causa de invalidez no mundo industrial. E a tendência é piorar. Os pesquisadores destacaram ainda a falta de investimentos para esses transtornos.
Como alternativa, farmacêuticas e empresas de biotecnologia estão apostando em terapias personalizadas principalmente direcionadas a tipos específicos de câncer e medicamentos para as chamadas doenças órfãs, que afetam uma número muito reduzido de pessoas. "Há mais pessoas estudando as doenças órfãs do que pessoas com essas doenças", brincou Michael Kinch, do Centro Yale para Descoberta Molecular. Dos novos medicamentos aprovados pela FDA em 2013, 70% eram drogas especiais usadas por menos de 1% da população, de acordo com a empresa de gerenciamento de benefícios farmacêuticos Express Scripts.
O custo de desenvolvimento de uma nova droga disparou nas últimas três décadas. Dados da Eli Lilly indicam que a concepção de um medicamento até seu lançamento custava US$ 1,8 bilhão em 2010, processo que inclui o custoso desafio dos testes clínicos necessários para provar que a droga é ao mesmo tempo segura e mais eficaz do que as terapias existentes.
O desenvolvimento de medicamentos órfãos é mais barato, pois são aprovados em regime de urgência pela FDA. Considerações semelhantes atraíram companhias farmacêuticas para medicamentos biológicos mais modernos em detrimento de compostos tradicionais. Drogas de grandes marcas perdem 80% do mercado no prazo de um ano após o vencimento das patentes.
Patricia Danzon, da Universidade da Pensilvânia, recomenda recalibrar o ônus regulatório de modo a favorecer a pesquisa de medicamentos com potencial mais amplo.
Ao mesmo tempo, são necessários novos mecanismos para conter os preços. "Existe um mito de que nos EUA as forças de mercado estão atuando para controlar os preços", disse Danzon. Claramente não estão. E o mercado também não está produzindo a inovação necessária.