Cerca de 85 anos atrás, em uma pequena cidade do Alabama, uma moleca chamada Nelle conheceu seu novo vizinho, Tru, um menino dado aos livros e às boas roupas, com voz aguda e pendor para travessuras.
Tratava-se de uma dupla improvável. Ela costumava andar descalça e de macacão, ao passo que ele se vestia meticulosamente. Porém, apesar das diferenças, os dois gostavam de romances policiais e passavam tardes a fio lendo contos de mistério. Então, eles começaram a se revezar para escrever suas próprias ideias —enquanto uma das crianças narrava uma história, a outra datilografava.
Os dois cresceram e se tornaram dois dos maiores escritores do sul dos EUA —Harper Lee e Truman Capote. Lee se baseou na amizade deles para criar os personagens Scout e Dill em “O Sol É Para Todos”. Capote se inspirou em Nelle para criar a masculinizada Idabel Thompkins de “Outras Vozes, Outros Lugares”, seu romance de estreia. Ambos trabalharam juntos em “A Sangue Frio”, romance policial escrito por Capote com base em fatos reais, e então se distanciaram depois que Capote deixou de dar o devido crédito a ela.
Essa amizade rompida foi restaurada —ao menos na ficção— em um romance infanto-juvenil inédito, “Tru & Nelle”, de Greg Neri. Apesar de Lee e Capote já terem sido individualmente tema de inúmeras biografias, documentários e longas-metragens, “Tru & Nelle” é o primeiro livro a tratar da ligação deles na infância.
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Leia a matéria completa“Tanto ela quanto Truman usaram suas vidas como alimento para a ficção. Percebi que, se eles fizeram isso, talvez eu poderia fazer também”, disse Neri.
“Tru & Nelle”, a ser lançado em inglês, sai poucos meses depois da publicação de obras inéditas de Capote, que morreu em 1984, e de Lee, 89, que continua em Monroeville, no Alabama, em uma residência para idosos.
O próximo livro de Capote a ser lançado contém histórias ambientadas em uma pequena cidade do sul dos EUA, como Monroeville, onde ambos viveram quando crianças. Peter Haag, dono da editora Kein & Aber, que publica a obra de Capote em alemão, topou com essas histórias quando pesquisava o arquivo de Capote na Biblioteca Pública de Nova York.
Nascidos com um ano e meio de diferença, Harper e Truman tiveram uma infância com mães distantes e não se adequavam bem a uma pequena comunidade sulista. Quando os valentões da escola se juntavam para intimidar Truman, Nelle, que era mais nova, saía no braço para protegê-lo.
Lee, que deixou de dar entrevistas na década de 1960, disse certa vez que se sentia ligada a Capote por “uma angústia comum” e que os dois, quando crianças, viviam “a maior parte do tempo na nossa imaginação”.
Neri teve a ideia de escrever um romance sobre essa amizade em fevereiro de 2014, quando assistiu “Capote”, filme biográfico com Philip Seymour Hoffman no papel-título. O autor então leu biografias e entrevistas, e “Tru & Nelle” é bastante fiel à história. Termina em tom agridoce, quando Truman parte para Nova York, mais ou menos aos oito anos de idade.
A história real, porém, foi bem mais complicada. Capote continuou visitando Monroeville durante os verões. Publicou seu primeiro romance quando tinha pouco mais de 20 anos. Lee, incentivada por seu sucesso, se mudou para Nova York aos 23 anos, para escrever.
Mas a amizade deles foi maculada pelo ressentimento e pela rivalidade. Capote invejava o sucesso de “O Sol É Para Todos”, ganhador do Pulitzer.
É difícil mensurar influências literárias, e é impossível dizer como os dois autores teriam se desenvolvido se não tivessem se estimulado mutuamente quando jovens.
No romance de Neri, Tru propõe um pacto ao partir: “‘Vou fazer um trato com você: vou escrever, mas só se você prometer escrever também. Aí podemos trocar histórias pelo correio’, disse ele, esperançoso”.
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