Jan Hermanowicz não esperava uma reação tão violenta quando colocou a placa em seu restaurante à beira-mar para dizer que se recusava a servir russos.
“Decidi protestar por causa da invasão da Crimeia, mas devo admitir que fiquei muito surpreso com toda a atenção que gerou”, confessa.
Isso porque os outros comerciantes ficaram com medo que ele pudesse afastar os clientes russos; um promotor daquele país o ameaçou de processo; os políticos tentaram de tudo para garantir que os turistas russos continuariam sendo bem-recebidos.
Desde o início do conflito na Ucrânia, as nações europeias vêm brigando entre si pelo choque entre ideais e lucros. Algumas, ansiosas para dissuadir o presidente Vladimir V. Putin de novas agressões, alegam que as sanções atuais impostas pelo Ocidente são leves demais; outras acreditam que manter as boas relações é a única maneira de atrair Moscou de volta ao pensamento ocidental.
Um acordo assinado pelas autoridades polonesas e russas em Moscou, em 2011, criou um programa que facilita a movimentação e travessia nos 200 km de fronteira entre os dois países. Um grande número de consumidores russos – 1,2 milhão em 2013, 1,7 milhão no ano passado – começou a aparecer nas lojas de cidades até da região ocidental polonesa, como Gdansk. Shopping centers, clínicas, centros de estética e advogados ganharam novos clientes e até contrataram funcionários que falassem a língua. Anúncios no alfabeto cirílico começaram a surgir nas rodovias polonesas.
Os russos, por sua vez, se viram com acesso fácil a comida barata e roupas que ou não encontravam, ou eram muito mais caras em Kaliningrado; já os poloneses começaram a fazer o caminho inverso ao descobrir que, do lado de lá, a gasolina custa trinta por cento do preço que pagam em casa.
“Para mim, o Ocidente tem que manter a linha dura com o Putin e a OTAN, sua capacidade de reação. Temos que fazer com que os russos pensem duas vezes antes de agir – mas, ao mesmo tempo, é preciso manter uma boa relação com a população russa, saber distinguir entre o povo e o regime”, afirma o prefeito de Gdanks, Pawel Adamowicz.
Já Hermanowicz, 54 anos, tem outra opinião. A princípio, se recusou a retirar a placa; só que, ao mesmo tempo, uma associação comercial local começou a oferecer certificados às lojas e restaurantes que recebiam os russos de maneira especial. Até agora, 50 foram distribuídos.
“Para a maioria desses comerciantes, o que vale é o dinheiro, não o ideal. Vivem para idolatrar o dinheiro”, reclamou ele.
E conta que alguns clientes reagiram com raiva à recusa de atendimento. Duas vezes teve que chamar a polícia.
Até que, por fim, Hermanowicz tirou a placa – mas se recusa a retirar a faixa que mostra Putin, com cara de bravo, um revólver em cada mão, pisando no globo terrestre, tingido de vermelho, acompanhado de dois soldados, com a seguinte legenda: “Viemos em paz... para tomar conta do mundo”.
O movimento na fronteira caiu mais de trinta por cento no primeiro trimestre do ano, em relação ao mesmo período de 2014, mas líderes políticos e empresariais atribuem o fato à desvalorização do rublo e ao menor número de assalariados que fazem a viagem, e não à antipatia mútua entre os dois vizinhos.
“O russo é o cliente mais cobiçado porque gasta horrores e dá boas gorjetas. Voltam para casa depois de deixar uma dinheirama aqui”, conta Adamowicz.
Por outro lado, houve alguns incidentes que confirmam, sim, o ambiente mais tenso. A construção recente de seis torres de observação polonesas ao longo da fronteira com Kaliningrado chamou a atenção da imprensa nacional, pois foi vista como um novo sinal de ansiedade, mesmo que a obra tenha sido iniciada em 2004.
Monika Trzcinska, prefeita de Braniewo, próxima à divisa, diz que numa loja de descontos um russo ficou furioso por não poder pagar em rublos e respondeu: “Não vai demorar muito e todos vocês vão ter que usar rublos”. Ouvindo isso, um cliente polonês se adiantou e lhe deu um soco.
O agressor foi multado, ela conta.
Para Adamowicz, o programa é válido nem que seja como desculpa para aproximar cidadãos poloneses e russos comuns que, do contrário, jamais poderiam se conhecer.
“É claro que todo mundo evita comentar a guerra na Ucrânia e a política externa de Putin”, ele conclui.