De um lado de uma ponte precária, num trecho estreito do rio Eufrates, famílias em pânico fugindo da facção Estado Islâmico (EI) na expectativa de sair da província de Anbar e alcançar a segurança de Bagdá.
Do outro lado, soldados do Exército iraquiano e milicianos xiitas cumprindo ordens de manter a ponte fechada, por medo de que os militantes sunitas se infiltrassem entre os refugiados.
“É como se o outro lado fosse a Europa e este fosse a Ásia”, disse Ehab Talib, 27, que esperava parentes vindos de Anbar, região dominada por sunitas cuja capital, Ramadi, caiu recentemente nas mãos do EI.
Com novas levas de civis fugindo da violência em Anbar, hoje já há mais refugiados internos iraquianos —quase 3 milhões— do que no auge da luta sectária que se seguiu à invasão americana, quando milhões de iraquianos fugiram para a Síria.
Entrar no país vizinho hoje é impossível devido à guerra civil síria. Já no Iraque as autoridades xiitas restringem os lugares aonde os refugiados sunitas podem ir.
“Somos todos iraquianos”, disse o auxiliar médico Marwan Abdul, em frente à clínica móvel na qual trabalha. “Isso não aconteceria em nenhum outro país.”
A violência desencadeada pelos militantes sunitas do EI atingiu desproporcionalmente outros sunitas. Quase 85% dos refugiados internos seguem esse ramo do islã. Porém, quando eles buscam segurança em áreas dominadas por xiitas, inclusive Bagdá, são frequentemente tratados como ameaças.
Críticos dizem que o governo, em vez de aproveitar a crise e atrair a minoria sunita para o seu lado, piorou a divisão sectária do país e corre o risco de se indispor com esse grupo —especialmente homens jovens— ao restringir seus movimentos dentro do país.
Mesmo nos dias em que a ponte está aberta, por exemplo, nem todos conseguem chegar até áreas seguras. Para alcançar Bagdá, os civis de Anbar precisam ter um responsável na capital capaz de ir até eles e trazê-los para a cidade, como Talib tentava fazer.
Alguns moradores de Bagdá vêm explorando esse sistema, cobrando US$ 700 para ser esse contato, segundo a ONG Comitê Internacional de Resgate. O grupo advertiu que as retenções e os controles militares nos arredores de Bagdá estão obrigando as pessoas a voltarem para áreas onde a luta está sendo travada.
Mesmo na região curda do norte, há muito tempo um refúgio para civis que fogem da turbulência do Iraque, as autoridades relutam em aceitar um grande número de árabes, piorando as divisões étnicas do país e aumentando a sensação de que a própria coesão do Iraque está em risco.
A situação, em meio aos esforços para derrotar o EI, complicou ainda mais o desafio de conciliar xiitas e sunitas no Iraque.
Funcionários do governo iraquiano dizem que a preocupação com as possíveis ameaças representadas por refugiados internos é legítima, pois o EI está profundamente enraizado em Anbar e conta com algum apoio entre os cidadãos locais. Alguns chegam inclusive a atribuir recentes atentados com carros-bombas a moradores que deixaram Anbar.
Em Bagdá, milhares de civis sunitas que fugiram da violência em Anbar estão vivendo em 32 mesquitas espalhadas pela cidade, basicamente numa quarentena.
“O governo, quando vê qualquer identificação de Anbar, pergunta: ‘O que você está fazendo?’”, disse Imad Jassim, diretor da Umm al-Qura, maior mesquita sunita da capital, onde cerca de 900 pessoas de Anbar estão abrigadas.
Jassim as aconselha a não deixar as instalações da mesquita.
“Para ser honesto, estamos com medo”, disse. “Talvez alguns milicianos estejam por aí e poderiam matá-los.”
As autoridades iraquianas, disse ele, “nada fizeram para ajudar o povo de Anbar”. Se adotassem uma abordagem diferente, afirmou, “iriam conquistar o apoio de todo o povo sunita”.
Khamis Jassim, 45, que vive na mesquita, contou que durante meses combateu o EI em Ramadi.
Muitos de seus vizinhos ficaram, disse ele, em vez de buscarem segurança nas áreas sob domínio xiita. “Eles me disseram que se eu fosse para Bagdá talvez fosse morto”, disse.
Na ponte, numa tarde recente, dezenas de moradores de Bagdá, segurando seus documentos de identidade, aguardavam a abertura para levar parentes e amigos à capital. Omar Mansour, que havia ido à ponte para acompanhar refugiados, olhou para o outro lado do rio e disse: “Há famílias lá, e elas estão com medo de todos —do EI e do Exército iraquiano”.
Colaboraram Omar Al-Jawoshy e Falih Hassan
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