Nas últimas quatro décadas, a coleção de arte da Russborough House tem atraído tanto a atenção dos ladrões do Exército Republicano Irlandês (IRA) quanto o interesse de mais de um milhão de visitantes a essa mansão em estilo georgiano do século 18.
Porém, essa coleção logo ficará menor graças a uma decisão da fundação que controla a casa de vender nove obras, incluindo seis pinturas de antigos mestres como Rubens, David Teniers, o Jovem, e Francesco Guardi, na Christie’s de Londres no mês que vem.
A venda, que a Christie’s estima que possa chegar a US$12,5 milhões, está sendo promovida como uma forma de fortalecer as finanças em ruínas da casa.
Porém, ela também está provocando clamor entre figuras do mundo cultural da Irlanda e alguns membros do conselho da fundação, que acreditam que o público não deve perder o acesso à arte.
An Taisce, uma sociedade de patrimônio nacional, pediu uma intervenção política para garantir o futuro da coleção na Irlanda. O Irish Arts Review, periódico sobre artes, está coletando assinaturas para uma petição visando suspender o leilão. E a Irish Georgian Society exigiu que seu representante no conselho da fundação se demitisse depois de descobrir que ele havia votado a favor da decisão sem consultar a sociedade.
“Esse presente é do povo irlandês. Como curadores, é nossa responsabilidade, nossa responsabilidade moral, preservá-lo para o povo irlandês”, disse Carmel O’Sullivan, diretor da escola de Educação do Trinity College de Dublin e membro do conselho da fundação.
Construída ao longo de uma década no século 18 pelo primeiro Conde de Milltown, a casa, a quarenta quilômetros de Dublin, se estende por mais de 200 metros e é uma das representantes das grandes casas erguidas por famílias ricas de protestantes ingleses em uma Irlanda predominantemente católica.
Em 1952, a Russborough House se tornou o lar do inglês Sir Alfred Beit e sua esposa, Clementine Mitford, e de sua coleção de arte. Em 1974, integrantes do IRA atacaram a casa armados de AK-47, amarraram Sir Alfred na biblioteca e levaram 19 pinturas, incluindo obras de Vermeer, Rubens, Goya e Gainsborough. Os quadros foram recuperados mais tarde.
Na sequência, o casal transformou sua mansão e as obras de arte em uma fundação de caridade que abriu Russborough House para o público em 1978. A casa sofreu pelo menos mais três roubos, incluindo um em 1986, quando 17 pinturas foram roubadas.
Em um e-mail, Eric Blatchford, diretor-executivo da fundação, disse que “as pinturas que vão a leilão não eram expostas em Russborough ou qualquer outro lugar há quase 20 anos e que não há perspectiva de que voltem ao Russborough, por causa de seu valor; por isso, é uma opção relativamente sensata selecioná-las para o leilão”. (Preocupações com a segurança mantiveram as pinturas guardadas.)
Entre as obras sendo vendidas, há dois Rubens: “Cabeça de Homem com Barba” (estima-se que seu preço possa ficar entre US$3,2 e US$4,7 milhões) e “Vênus Suplicando a Júpiter” (entre US$1,9 e US$2,8 milhões).
A Associação Irlandesa de Museus acredita que obras confiadas ao público devem ser vendidas somente em circunstâncias excepcionais. Os críticos da decisão da fundação reconhecem que a Russborough House enfrenta grandes desafios com o déficit operacional e reparos necessários na infraestrutura. Mesmo assim, eles pedem que o conselho busque outras fontes de renda.
No mês passado, a An Taisce propôs ao governo que seu escritório de obras públicas poderia se apropriar da casa e do jardim e que a fundação ainda manteria a propriedade do conteúdo.
Muitos pedem mais perspectiva. Depois de entregar sua casa para a nação, os Beits, em 1987, doaram uma seleção impressionante de pinturas para a Galeria Nacional da Irlanda, incluindo as de Vermeer, Goya e Gainsborough.
“Essas pinturas são obras-primas que transformaram as coleções nacionais da Irlanda”, disse Henry Pettifer, responsável pelas obras dos grandes mestres na Christie’s em Londres.
“Mesmo que as pinturas que venderemos em julho sejam de grande importância, elas não se comparam às obras-primas que já foram doadas à Irlanda.”
Douglas Dalby contribuiu com a reportagem de Dublin
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