Há cerca de uma década, Kazuo Ishiguro havia escrito 50 páginas de um novo romance quando foi paralisado pela dúvida. O texto, uma história mítica ambientada há aproximadamente 1.500 anos numa Inglaterra fantástica, habitada por ogros, duendes, cavaleiros e dragões, era diferente de tudo o que ele já havia produzido.
Ele pediu à sua mulher, Lorna, que lesse as páginas iniciais. A resposta dela foi brutal. “Ela olhou para o manuscrito e disse: ‘Isso não vai dar certo’”, recordou Ishiguro. “‘Não quero dizer que você precise ajustá-lo; você precisa recomeçar do zero.’” Ele deixou o texto de lado e em seu lugar escreveu uma coletânea de contos.
Ishiguro não estava preparado para outra surra no ego quando retomou esses escritos, em 2011. Ele começou do zero e não mostrou a obra até concluí-la. O romance, “O Gigante Enterrado” — que será lançado neste mês nos EUA e em junho no Brasil—, é a obra mais arriscada, mais ambiciosa e mais estranha que Ishiguro publicou em 33 anos de carreira.
Embora aborde muitos dos temas recorrentes na obra do escritor —a memória, como ela some, é suprimida e distorcida, e a nossa incapacidade de confrontar o passado plenamente—, “O Gigante Enterrado” representa um forte rompimento em relação a romances sóbrios e emocionalmente contidos, como “Vestígios do Dia” e “Não Me Abandone Jamais”.
“O Gigante Enterrado” trata de um velho casal, Axl e Beatrice, que viaja por uma paisagem traiçoeira e sem lei para tentar encontrar seu filho, enquanto tateiam a névoa do esquecimento que parece ter se abatido sobre a terra devido a uma maldição. Eles encontram um velho cavaleiro, Sir Gawain, que também faz sua própria busca e se torna o protetor do casal contra uma série de ameaças.
Ishiguro parece um pouco ansioso sobre como o livro será recebido. “Será que os leitores me acompanharão nisso? Será que vão entender o que estou tentando fazer, ou será que vão ter preconceito contra os elementos superficiais?” disse. “Vão dizer que isso é fantasia?”
Em uma crítica publicada no mês passado no jornal “The New York Times”, Michiko Kakutani descreveu o livro como “um conto de fadas excêntrico e com mão pesada”.
O fato de “O Gigante Enterrado” representar tamanho rompimento não deveria ser uma surpresa. Ao longo de três décadas, Ishiguro consistentemente se reinventa a cada livro. Mas o novo romance, que vagueia descaradamente pelo território de George R.R. Martin e Tolkien, é uma mudança mais pronunciada.
“Como leitor antigo de Ishiguro, aprendi a esperar o inesperado, e consegui”, disse o crítico literário e escritor de fantasia Lev Grossman. “Um enevoado épico arturiano é praticamente a última coisa que eu imaginaria.”
Ishiguro buscou novamente os conselhos da sua mulher quando estava à procura de um título. Depois de muitas falsas largadas, eles acharam uma expressão que se encaixava. Havia estado enterrada no texto o tempo todo, logo no começo, quando Axl e Beatrice iniciam sua jornada, e mais tarde, num trecho que se refere à escavação de memórias dolorosas. “O gigante bem enterrado agora está começando a se mexer”, disse Ishiguro, referindo-se à passagem no final do romance. “E, quando ele acordar, será caótico.”