Mais de meio século se passou desde que o chefe dos correios neste gelado vilarejo à beira-mar no norte do Japão revelou um segredo a um jovem. Em algum lugar da cidadezinha, ele disse, há um cemitério clandestino onde coreanos foram enterrados.
Koichi Mizuguchi levou anos para compreender o significado dessa revelação, e décadas para arrancar a cruel verdade de seus vizinhos: pelo menos 80 trabalhadores coreanos morreram de abuso, doenças e desnutrição ao construírem aqui um campo de pouso durante a Segunda Guerra Mundial. Por fim, Mizuguchi ajudou a encontrar os túmulos, e ele e outros moradores iniciaram a construção de um memorial de pedra de dois metros no local.
Uma década atrás, a aldeia que tentava preservar a memória de seus crimes de guerra poderia ter passado despercebida no Japão. Mas no ano passado, Sarufutsu foi assolada por telefonemas ameaçadores acusando os moradores de traidores. A campanha, orquestrada na internet, também pedia um boicote à indústria de vieiras da aldeia. O prefeito interrompeu a construção.
A pressão para apagar os episódios mais obscuros da história do Japão durante a guerra intensificou-se recentemente, com o surgimento de um pequeno, mas agressivo movimento on-line, buscando intimidar aqueles que, como Mizuguchi, acreditam que o país nunca deve esquecer certas coisas.
Conhecidos como Net Right, estes ciberativistas ganharam influência com a ascensão do governo conservador do primeiro-ministro Shinzo Abe, que partilha do seu objetivo de acabar com imagens negativas da história do Japão.
"Não culpo o prefeito por recuar. Culpo o resto do Japão por não se manifestar a nosso favor", disse Mizuguchi, arquiteto de 79 anos.
Estudiosos dizem que o Net Right conta apenas com alguns milhares de membros, muitos dos quais profissionais que trabalham sob contrato, que não conseguiram arrumar os cobiçados empregos estáveis. Mas esses extremistas se beneficiam do surgimento de uma frustração entre os jovens japoneses com a estagnação política e econômica de sua nação.
Os ativistas culpam a falta de orgulho nacional, argumentando que a autoconfiança do Japão foi solapada por 70 anos de divulgação de uma imagem de vilão feita pelos Estados Unidos e por outros que ignoram seus próprios crimes de guerra.
"Estamos cansados de ver o Japão constantemente sendo obrigado a se desculpar", disse Kazuya Kyomoto, blogueiro de 26 anos, popular entre os jovens conservadores que condenam monumentos como o de Sarufutsu que estariam promovendo uma visão "masoquista" da história japonesa.
Kyomoto e outros disseram que seu ressentimento foi alimentado em parte pela intensificação de disputas históricas e territoriais com a China e a Coreia do Sul.
Os extremistas, que às vezes atacam coreanos no Japão com um discurso de ódio racista, estão mais fortes agora em parte por causa do colapso da oposição política de esquerda no Japão, que ficou enfraquecida após a retumbante derrota eleitoral de dois anos atrás, e um período sem sucesso no poder.
Em julho, o governo da província de Gunma, ao norte de Tóquio, decidiu retirar um monumento de dez anos de idade em homenagem ao trabalho forçado dos coreanos após telefonemas violentos e protestos. Uma campanha semelhante levou a cidade de Nagasaki, há muito tempo um bastião do sentimento contra a guerra, a atrasar a aprovação de um monumento aos trabalhadores coreanos que pereceram no bombardeio atômico de 1945.
Um ativista do Net Right, Mitsuaki Matoba, defendeu as táticas de pressão e se opôs ao termo "trabalho forçado" para descrever a atividade dos coreanos que pereceram em Sarufutsu. "Se os coreanos estavam envolvidos na construção do campo de pouso, eles vieram de livre e espontânea vontade", escreveu ele.
Historiadores dizem que cerca de 700.000 coreanos foram forçados a trabalhar no Japão durante a guerra. Moradores de Sarufutsu descreveram centenas de detidos em quartéis semelhantes a prisões.
Mizuguchi, o arquiteto que ouviu pela primeira vez sobre os coreanos do chefe dos correios da vila, ajudou a organizar três escavações das covas entre 2006 e 2010.
Em uma recente visita ao local, ele disse não ter desistido de construir o monumento.
"Essas pessoas estão tentando nos intimidar para fechar nossos olhos novamente. Não podemos deixar que nos impeçam de encerrar esse capítulo ", ele disse.
Contribuiu Hisako Ueno