A Rússia conseguiu isolar a Abecásia, que esperava obter lucros com os Jogos de Inverno de Sochi. Um café do vilarejo| Foto: James Hill para The New York Times

A pouco menos de cinco quilômetros do principal estádio olímpico de Sochi, o local das cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos Olímpicos de Inverno, em fevereiro, o Rio Psou serve de fronteira entre a Rússia e a Geórgia. Porém, nenhum dos países em ambos os lados da fronteira considera que a fronteira problemática seja uma parte da Geórgia.

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Essa é a pequena, belíssima e pouco povoada Abecásia, que se separou da Geórgia depois de uma guerra brutal de limpeza étnica, há 20 anos. Entretanto, desde então – muito embora a Geórgia nunca tenha aceitado sua independência – o país luta para ser reconhecido como uma nação soberana, e não apenas um apêndice pobre de seu vizinho e principal mantenedor.

A vinda dos Jogos Olímpicos para Sochi, tão próxima da fronteira, trouxe esperanças de que a Abecásia pudesse partilhar da bonança, que sua causa política e sua frágil economia pudessem sentir ao menos um leve toque da fortuna e da atenção atraída pelos Jogos. Talvez alguns turistas olímpicos pudessem até mesmo descer para conhecer a costa do Mar Negro.

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Contudo, as esperanças foram todas em vão. A Rússia afirmou que, por razões de segurança, planeja proibir todo o tráfego de pessoas vindas da Abecásia ou indo para o país a partir do dia 7 de janeiro, até o fim dos Jogos Paraolímpicos, em março. Apenas alguns veículos registrados receberão permissão de passagem, isolando uma região para a qual a Rússia há muito tempo concede auxílio político e econômico.

A decisão ameaça interromper uma ligação indispensável que traz produtos vitais da Rússia e leva as maiores exportações da Abecásia – especialmente as tangerinas, no momento exato em que elas ficam maduras nas plantações que recobrem os sopés subtropicais das montanhas com vista para o mar.

As restrições à fronteira deixaram as autoridades do país desesperadas para negociar com os russos, buscando garantir o fornecimento de produtos que a região não produz, incluindo farinha, carne, remédios e gasolina, e manter o fluxo contínuo das exportações que correspondem à maior parte do faturamento do país.

"Praticamente tudo que consumimos vem da Rússia", afirmou Beslan F. Eshba, vice-primeiro-ministro da Abecásia, na sede do governo na capital, Sukhumi.

Em Gulripshi, um pequeno vilarejo ao sul da capital, as possíveis restrições à fronteira levaram a população a acelerar a colheita, que começa no fim do outono e geralmente vai até o início do ano. As tangerinas e mandarinas da Abecásia e da Geórgia – bem como pêssegos, damascos, figos e uvas – são fonte de uma nostalgia quase mítica ao seu redor que data dos tempos da era soviética, quando havia poucas exportações de outros países. As laranjas chegavam a Moscou e a outras cidades e traziam consigo o sabor do sol em meio aos meses escuros de inverno.

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Boa parte da Abecásia ainda parece congelada em um Estado soviético: as cicatrizes da guerra com a Geórgia ainda são visíveis em edifícios cravejados de balas e a crise econômica é evidente nos resorts abandonados que já foram o grande prêmio da elite soviética.

Recentemente, a Geórgia assinou um acordo econômico e comercial preliminar com a União Europeia como parte da integração com o Ocidente, que continuou a ser instaurada mesmo sob o comando do novo presidente. Isso serviria apenas para reforçar o isolamento da Abecásia, que a Geórgia afirma fervorosamente ser parte de seu território. A Abecásia, por outro lado, está intimamente ligada à Rússia. Sua moeda é o rublo, a língua oficial é o russo e a maior parte de seus 240 mil habitantes viaja com passaportes russos.

Existem poucas possibilidades de uma resolução diplomática para o território separado da Geórgia, em grande parte por conta das constantes tensões entre russos e georgianos.

Depois que a Rússia invadiu a Geórgia em 2008, Moscou passou a reconhecer formalmente a independência da Abecásia, mas desde então, apenas quatro outro países o fizeram: a Nicarágua, a Venezuela e duas nações minúsculas no Pacífico, Nauru e Tuvalu.

Os Jogos Olímpicos fizeram muito pouco para mudar essa situação.

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Poucos turistas devem se aventurar na região, partindo de Sochi. A Geórgia exige uma permissão dos visitantes. Caso a visita seja aprovada, os visitantes devem atravessar a fronteira a pé, de onde pegam um táxi ou um ônibus em direção ao sul.

Até mesmo o pequeno Comitê Olímpico da Abecásia luta sem receber o reconhecimento internacional. Seus atletas competem por outros países, a maioria pela Rússia.

Eshba não criticou os limites impostos à fronteira. Segundo ele, a Abecásia estava feliz com o fato de a Rússia sediar os jogos e faria tudo o que estivesse a seu alcance para que os Jogos sejam um sucesso, incluindo fornecer a segurança necessária de seu lado da fronteira.

"Estamos preparados para sofrer um pouco em favor de nosso vizinho", afirmou.