Para astros da música de certa idade, a entrada no Hall da Fama do Rock and Roll geralmente é um trampolim que reativa a carreira com turnês, discos e novos contratos.
Isso, porém, não se aplica à lenda do soul Bill Withers, que entrou no panteão neste ano, mas passou as últimas três décadas em uma espécie de aposentadoria musical.
Quando uma homenagem à sua obra for realizada no Carnegie Hall em 1º de outubro, com uma escalação que inclui Ed Sheeran, D’Angelo, Michael McDonald, Aloe Blacc e Dr. John, é improvável que Withers cante uma nota sequer. “Eu não cedia à pressão de outras pessoas quando tinha 35 anos e continuo igual aos 77”, disse.
O show no Carnegie e a entrada no Hall da Fama marcam um ano incomum de exposição pública para Withers, que lançou seu último disco em 1985, mas cuja obra se mantém onipresente. Seus maiores sucessos, “Lean on Me” e “Ain’t No Sunshine”, são exemplos de devoção e perda capazes de sustentar um filme inteiro de Hollywood. Ele dedilhava um violão como muitos compositores no início dos anos 1970 e, hoje em dia, a simplicidade crua de suas gravações pode ser ouvida em samples feitos por artistas como Dr. Dre, Kanye West e Kendrick Lamar.
“Withers é como Stevie Wonder, Michael Jackson e os Beatles, que exercem uma enorme influência sobre o público e outros músicos”, disse Ed Sheeran. “Mesmo uma pessoa que não seja fã em algum ponto da vida é influenciada por alguém que foi influenciado por eles.”
Em uma carreira fonográfica que teve início com o disco “Just As I Am”, em 1971, e durou apenas 14 anos, Withers desenvolveu um estilo como cantor e compositor confessional, baseado em blues ousados e rhythm and blues, marcante na época. Lançou sucessos dançantes como “Use Me”; a canção chorosa e quase brega “Just the Two of Us” em dueto com Grover Washington Jr.; e a poética “Grandma’s Hands”.
Ao longo dos anos, Withers sempre manifestou repúdio à indústria fonográfica, que considera volúvel e manipuladora. Ao mesmo tempo, lucra mantendo o controle de seu catálogo de composições extremamente valioso, que é muito requisitado para filmes e comerciais de TV.
No entanto, Withers é reticente sobre seu processo de criação musical e sua decisão de iniciar carreira relativamente tarde na vida. Ele estava na faixa dos 30 quando começou a gravar, após crescer em uma cidade voltada à mineração de carvão na Virgínia Ocidental, servir na Marinha e trabalhar como mecânico de aviões.
“Não sei tocar violão e piano, mas fiz carreira compondo canções sobre violões e piano”, salientou. “Nunca aprendi música, apenas a fazia instintivamente.”
Withers surgiu como uma espécie de homem do povo musical, fotografado segurando uma marmita na capa de “Just As I Am”. Até hoje, mesmo morando em uma casa confortável em Hollywood Hills e sendo amigo de Stevie Wonder e Johnny Mathis, mantém o anonimato nas ruas e tem um estilo de vida simples.
“É preciso se valorizar”, disse Withers. “Alguém tem de precisar que você apareça para fazer algo. Há muitos jovens que não entendem isso. Se você faz algo de que alguém precisa, dá para se sair bem.”
Ele inicialmente reluta em falar sobre os obstáculos que enfrentou. “Sou um cara negro de 77 anos e tive experiências específicas dessa condição”, afirmou Withers. “Eu era mecânico de aviões na Marinha nos anos 1950, quando ninguém achava que negros tinham capacidade sequer para drenar óleo de um avião.”
Porém, aos poucos, ele abre o jogo sobre música, raça, cultura pop e seu assunto predileto, história americana. Considera sua própria história uma parábola “improvável”, a ascensão de empregos mal remunerados para a fama. Resquícios de discriminação ainda são evidentes quando, por exemplo, a polícia perguntou o que ele estava fazendo sentado em seu carro, perto de sua casa. “Acompanho todas essas fases estranhas dos EUA, toda a sua crueldade e sua bondade”, disse.
Withers não encerrou suas atividades musicais. Ele desenvolve projetos no estúdio montado em sua casa. “Não vou deixar ninguém me enrolar achando que estou velho”, afirmou. “Mas, se eu quiser fazer um monte de música e começar a perder a cabeça, venha me ver e sente-se bem na frente.”
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