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Antiga resistência a um projeto ferroviário trans-europeu possui raízes políticas e ambientais no interior da Itália | fabio bucciarelli para The New York Times
Antiga resistência a um projeto ferroviário trans-europeu possui raízes políticas e ambientais no interior da Itália| Foto: fabio bucciarelli para The New York Times

Para chegar a um túnel atualmente sendo perfurado nos Alpes no noroeste da Itália, os visitantes precisam passar por um posto policial e outro militar. Grandes cercas de arame farpado se espalham pela montanha, mostrando a amargura de uma batalha de duas décadas sobre os planos de construir um trem de alta velocidade entre Itália e França.

Ao longo dos anos, a saga da linha de trem enfrentou resistência popular, embates violentos, atos de sabotagem e acusações de terrorismo.

Os habitantes locais sempre resistiram à ligação ferroviária, temendo danos a aquíferos e uma possível liberação de amianto e materiais radioativos durante a escavação. Eles também questionaram o investimento inicial do projeto de cerca de US$12 bilhões.

Mas a localização estratégica do Vale de Susa também deu às 90 mil pessoas que vivem aqui uma plataforma descomunal no debate cultural e político da Itália sobre equilibrar a identidade do país com a integração europeia, e de forma mais geral, a preservação com o progresso.

"Isso não é por um trem", afirmou Lisa Ariemma, moradora que se opôs ao projeto ferroviário Treno Alta Velocita, ou TAV.

A construção aqui é o primeiro passo de um túnel de 56 quilômetros numa linha férrea de alta velocidade que ligaria Turim, na Itália, e Lyon, na França. É uma seção do Corredor Mediterrâneo – uma rota de trem transeuropeia indo de Algeciras, na Espanha, a Budapeste, na Hungria – que a Comissão Europeia definiu como prioridade.

Mas para alguns moradores, as barricadas (físicas e metafóricas) passaram a refletir suas diferentes visões do desenvolvimento, e até mesmo da democracia, e sua distância dos tomadores de decisão em Roma e Bruxelas.

A questão tem dado força ao Movimento Cinco Estrelas, o partido antielite e antiunião Europeia de Beppe Grillo, que em março foi condenado a quatro meses de prisão por um protesto contra a ligação ferroviária em 2010.

Muitos estão aguardando as eleições locais, regionais e europeias, em maio, para medir a popularidade da linha.

Para o governo nacional, conforme afirmou recentemente o ministro do transporte e infraestrutura Maurizio Lupi, "o túnel é prova de que o estado existe, e que ele acredita num projeto que vê como fundamental para o desenvolvimento do país e da Europa".

A construção no local começou em 2011, em meio a protestos e embates violentos. O governo italiano permaneceu comprometido ao plano nos últimos 20 anos, apesar de mudanças políticas.

Mas o longo atraso colocou em risco a própria reputação da Itália como uma parceira confiável. O medo de perder o financiamento europeu, que segundo autoridades italianas deverá cobrir 40 por cento dos custos da linha, finalmente levou o governo a uma ação mais concertada.

Os opositores travaram uma resistência em diversas frentes, com desafios judiciais, publicações e sites "Não ao TAV". Eles também compraram pequenos trechos de terra ao longo da rota planejada para a linha, esperando dificultar o processo de expropriação. Centenas de manifestantes foram investigados. Quatro jovens estão na cadeia por acusações de terrorismo.

"O movimento ‘Não ao TAV’ se tornou radical, atraindo jovens anárquicos e dissidentes", argumentou Stefano Esposito, senador pró-TAV que recebeu ameaças de morte.

Alberto Perino, que foi condenado junto com Grillo, acredita que o sentimento contra o projeto é muito mais amplo. "Estamos revoltados porque estão realizando o projeto com o nosso dinheiro, contra nós", disse ele. Muitos locais acham que seus representantes políticos "já não representam os interesses dos cidadãos", mas os de bancos e grupos de construção, afirmou ele.

Gemma Amprino Giorio, prefeita da cidade de Susa, onde será construída uma estação projetada pelo arquiteto japonês Kengo Kuma, vê o trem como um novo sopro de vida na estagnada economia da região, especialmente no turismo.

Segundo Mario Virano, especialista contratado pelo governo em 2006 para ajudar a moderar os dois lados, a questão á mais ampla. "Se não formos em frente agora que o resto da Europa está trabalhando no sentido de uma infraestrutura mais homogênea, o escândalo será o de não termos feito nada".

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