Em abril de 1815, a mais violenta explosão vulcânica já registrada abalou o planeta. A catástrofe teve repercussões que, 200 anos depois, os pesquisadores ainda tentam compreender. Sabe-se hoje que a erupção acarretou um resfriamento global, uma crise agrícola e uma pandemia —e também originou monstros célebres.
Naquela época, dezenas de milhares de pessoas morreram nas ilhas das Índias Orientais Holandesas (a atual Indonésia). Mas, para surpresa dos pesquisadores, descobriu-se que uma nuvem gigante composta por partículas microscópicas se espalhou por todo o mundo, bloqueou a luz do sol e resfriou o planeta durante três anos.
Em julho e agosto de 1816 —verão no hemisfério norte— geadas devastaram as lavouras da Nova Inglaterra (nordeste dos EUA). Na mesma época, Londres registrou intensas chuvas de granizo. Por causa disso, 1816 ficou conhecido como “o ano sem verão”
Um livro de história recém-lançado, “Tambora: The Eruption That Changed the World” [Tambora, a erupção que mudou o mundo], de Gillen D’Arcy Wood, mostra os efeitos planetários causados pelo desastre, que levou comunidades e países inteiros a enfrentarem ondas de fome, epidemias, distúrbios civis e declínio econômico.
Antes de explodir, o Tambora era o ponto culminante numa terra de montanhas cobertas de nuvens. O vulcão erguia-se a quase cinco quilômetros de altura na ilha tropical de Sumbawa, com aldeias espalhadas ao seu redor.
Na noite de 5 de abril de 1815, labaredas escaparam por seu cume, e a terra roncou durante horas. Em seguida, o vulcão silenciou.
No entanto, cinco dias depois, o pico explodiu, expelindo chamas, rochas e cinzas incandescentes. O ruído pôde ser ouvido a centenas de quilômetros. Rios de lava derretida escorreram pela encosta, destruindo florestas e aldeias. Após alguns dias, a montanha desmoronou, e sua altitude repentinamente diminuiu em 1.500 metros. Estima-se que 100 mil pessoas tenham morrido. A ilha de Sumbawa nunca se recuperou.
As repercussões foram globais, mas ninguém percebeu que o caos e a mortandade decorriam da erupção. Coube aos cientistas começar a ligar os pontos. Em seu livro, Wood amplia essa visão, revelando três anos de turbulências globais, além das origens de demônios fictícios.
Ao explodir, a montanha lançou cerca de 50 quilômetros cúbicos de barro a mais de 40 quilômetros de altura. As partículas maiores logo se precipitaram com a chuva, mas as mais finas viajaram com os ventos, numa nuvem que se espalhou. Esse véu sobre o planeta fez com que grande parte da luz solar fosse refletida para o Espaço, o que resfriou o planeta e causou tempestades.
As partículas na alta atmosfera também produziram entardeceres espetaculares, como mostram detalhadamente as telas de J.M.W. Turner, pintor inglês célebre por suas paisagens.
A história também ganha vida em dramas locais, sendo que, para a história da literatura, nenhum supera o nascimento do monstro Frankenstein e do vampiro humano. Aconteceu no lago de Genebra, na Suíça, onde alguns dos mais famosos nomes da poesia inglesa haviam viajado para veranear.
Em 1816, a Suíça estava começando a se ressentir do mau tempo e da quebra de safra. Multidões famintas saquearam padarias após um aumento no preço do pão.
Em junho, o frio e a chuva obrigaram os turistas ingleses a se refugiarem num palacete à beira do lago, onde se aqueciam junto à lareira e contavam histórias de fantasmas. Mary Shelley, então com 18 anos, participava de um círculo literário que incluía Percy Shelley, seu futuro marido, e também Lord Byron. O vinho corria solto, assim como o láudano, uma variedade de ópio.
Mary Shelley apresentou a sua lúgubre história do Frankenstein, que viria a publicar dois anos depois. E Lord Byron determinou os contornos da versão moderna das histórias de vampiro, que um compatriota seu depois lançaria em livro sob o título de “The Vampyre”.
O livro de Wood documenta várias outras repercussões do resfriamento global, dedicando um capítulo inteiro à pandemia de cólera de 1817, que começou na Índia e matou dezenas de milhões de pessoas no mundo todo.
A pandemia se espalhou e chegou às Índias Orientais Holandesas. Só em Java matou 125 mil pessoas, segundo estimativas —mais gente, observa Wood, “do que na própria erupção vulcânica”.
Ele também descreve o gélido inverno na província chinesa de Yunnan, uma terra de florestas e montanhas. Os arrozais rapidamente morreram, e a fome assolou a região durante anos. Em julho de 1816, a província sofreu “nevascas sem precedentes”.
O retrato da ruína vulcânica global traçado por Wood oferece uma reflexão sobre a dificuldade de revelar efeitos sutis da mudança climática, sejam como resultado da fúria da natureza ou subprodutos invisíveis da civilização.
É, como observou o autor, algo “difícil de ver, e não menos árduo de imaginar”.