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As fotografias de Xu Yong podem ser vistas em sua versão positiva com a ajuda de um smartphone ou um tablet | Fotos: Gilles Sabrie /The New York Times
As fotografias de Xu Yong podem ser vistas em sua versão positiva com a ajuda de um smartphone ou um tablet| Foto: Fotos: Gilles Sabrie /The New York Times

O livro mais recente do fotógrafo Xu Yong é repleto de jovens idealistas clamando por independência e criticando o Partido Comunista da China. Apesar disso, Xu insiste que não houve nada de político na decisão de publicar essa coletânea de imagens, que ele escondeu por mais de duas décadas. “Esse é um livro de arte”, disse Xu, 60, que já publicou mais de 20 livros de fotografia. “Não tenho interesse em discutir o significado das fotos.”

Ainda assim, a publicação de imagens dos protestos que convulsionaram Pequim em 1989 provavelmente será vista como uma provocação pelos setores de linha dura que governam a China. Essas autoridades tentaram, sem muito êxito, promover uma amnésia coletiva, censurando fotos e relatos noticiosos sobre o tema.

É fácil avaliar o livro mais recente de Xu, “Negatives”, como uma empreitada corajosa e temerária. Dezenas de pessoas foram detidas recentemente, entre elas vários amigos de Xu, inclusive por terem compartilhado fotos dos protestos pró-democracia do ano passado em Hong Kong.

Um dos mais conhecidos advogados de direitos civis da China, Pu Zhiqiang, está detido desde 2014, após ter participado de uma reunião no apartamento de um amigo para discutir a repressão violenta aos manifestantes na praça Tienanmen 25 anos antes.

“Xu não tem ilusões quanto aos riscos, mas essa foi sua escolha”, comentou Renee Chiang, da New Century Press, editora de Hong Kong que está enviando exemplares de “Negatives” para livrarias fora da China continental.

Xu é conhecido principalmente por suas imagens soturnas em preto e branco, feitas no final dos anos 1980, que captaram a beleza das vielas antigas de Pequim, antes da modernização da cidade. Recentemente, ele foi elogiado por uma série que mostrava um dia na vida de uma prostituta.

Em seu livro, não há imagens da repressão final e sangrenta de 4 de junho de 1989, que deixou centenas ou até milhares de civis desarmados mortos, depois que tropas chinesas abriram caminho à força no coração da capital.

Mais intrigante é a decisão de Xu de imprimir apenas os negativos de 35 milímetros originais, sem retoques, que ele clicou com sua câmera Konica. Há algo de impenetrável nas imagens, com suas cores apagadas e as silhuetas fantasmagóricas dos manifestantes, lembrando radiografias.

Os negativos não passam de um logro visual. Usando um iPhone ou iPad —para isso, clique em “Ajustes”, depois em “Geral”, “Acessibilidade” e, por fim, “Inverter Cores”—, o espectador pode ver as cores originais das imagens feitas por Xu.

Quando os grevistas da fome e os soldados jovens e assustados ganham vida, é como se o leitor tivesse desembarcado sem querer em um mundo perdido.

Em entrevista, Xu disse que está tentando ensinar à geração do novo milênio sobre o mundo da fotografia quimicamente dependente, anterior à era digital. “Diferentemente das fotos digitais, que podem ser manipuladas, os negativos nunca mentem”, disse.

Na primavera de 1989, Xu tinha acabado de deixar seu emprego numa agência publicitária estatal, incentivado pelas políticas orientadas ao mercado de Deng Xiaoping. Milhares de estudantes tinham saído às ruas para reivindicar menos censura, mais liberdade e o fim da corrupção. “Senti que era um momento crítico e que cada instante precisava ser documentado.” Xu passou seis semanas na praça Tienanmen e arredores.

Ele não revelou quantas fotos fez, mas o livro inclui 64, uma alusão numérica sutil ao modo como muitos chineses se referem à data da operação de repressão —4 de junho— para contornar a censura.

A foto final do livro, uma imagem desfocada de um tanque, é a única alusão à força bruta que pôs fim aos protestos pacíficos.

Líderes do Partido Comunista declararam os protestos um “motim contrarrevolucionário” e colocaram muitos dos jovens organizadores na prisão.

Perry Link, sinólogo da Universidade da Califórnia em Riverside, disse que, ao mostrar protestos alegres e pacíficos que levaram milhões de pessoas às ruas —entre elas membros leais do Partido Comunista e veteranos do Exército—, as imagens de Xu refutam a alegação oficial de que os protestos teriam sido uma insurreição perigosa.

“É uma maneira maravilhosa de captar aquele aspecto oculto de insegurança que acompanha a questão de Tienanmen e que, de modo mais amplo, assombra boa parte da China oficial hoje”, disse.

“O artista parece estar dizendo: ‘Eis a realidade que ninguém encara, mas que todos sabem que está ali’.”

Reconhecendo o perigo inerente a seu projeto, Xu deu de ombros, dizendo que os negativos estavam começando a amarelar. “Estou envelhecendo. Se eu não publicar agora, quando o farei?”

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