O homem ferido estava sentado em uma poltrona na frente de um barracão na beira da pista do aeroporto, com os braços e a cabeça enfaixados.
"Eu não parava de repetir: Eu não tenho armas", disse ele. Aqueles que o atacavam não disseram nada, recordou ele: "Continuavam a me dar golpes de facão".
O homem, Abdon Seredangaru, de 25 anos, professor primário, foi uma das muitas centenas de pessoas atacadas em três dias de assassinatos em massa ocorridos recentemente aqui em Bangui, capital da República Centroafricana. Mais de 450 pessoas foram massacradas na cidade, de acordo com as Nações Unidas, além de mais 150 em todo o país. Centenas de outras, como Seredangaru e sua família, escaparam por pouco da morte.
A família do professor, de oito pessoas, está entre as 40 mil pessoas acampadas no aeroporto de Bangui, em busca de segurança ao lado das tropas francesas que controlam a área desde que nela se instalaram recentemente, a fim de conter a violência sectária do país. Os africanos vivem ao ar livre, no acostamento da pista.
As pessoas vagam pelo acampamento sem parar: mulheres com as crianças atadas às costas, adolescentes transportando água, homens que vão buscar comida.
A chegada das tropas francesas, além de um contingente de tropas da União Africana trazido por via aérea pelo exército americano, proporcionou alguma estabilidade, e a vida cotidiana está se reestabelecendo lentamente na capital.
Mas para as pessoas acampadas no aeroporto, o medo não foi aplacado. Elas são moradoras da cidade que fugiram de seus bairros e não se atrevem a voltar, alegando que os milicianos permanecem na região. Alguns tentaram voltar para casa, mas foram expulsos novamente, trazendo mais pessoas com eles para o acampamento, disse Lindis Hurum, coordenadora da organização de auxílio Médicos Sem Fronteiras.
"Essas pessoas vivem na cidade e são qualificadas. Elas não querem estar aqui", disse ela. "O chão é gelado, elas não têm comida e estão ficando sem dinheiro."
Ao lado de Seredangaru estava seu pai, Maurice, de 68 anos, um homem altivo de terno cinza. Na lapela, ele usava um crachá que o identificava como chefe do seu distrito. Sua cabeça careca estava coberta por uma faixa branca. "Desviei de vários golpes de facão", contou ele.
Quatro homens invadiram a casa da família Seredangaru em 7 de dezembro. Os invasores eram membros do Seleka, a força rebelde de maioria muçulmana que controla o país desde que derrubou o presidente François Bozizé em um golpe, em março. Os rebeldes se transformaram na própria lei, perpetrando massacres e saques em todo o país.
Ao longo dos últimos meses, milícias cristãs chamadas anti-Balaka, ou antifacão, surgiram no campo como tentativa de autodefesa, apesar de terem sido acusadas de também cometer assassinatos em represália aos ataques. Em 5 de dezembro, elas tentaram tomar o controle de Bangui.
A população da cidade acordou com o tiroteio cerrado antes do amanhecer. Algumas pessoas até começaram a celebrar em alguns bairros, quando ouviram que o anti-Balaka tinha tomado a cidade. Mas os rebeldes do Seleka estavam muito mais bem armados e repeliram o ataque dentro de duas horas. Eles então foram para os bairros cristãos para perseguir supostos colaboradores. Acabaram matando qualquer um que ousasse tentar alguma coisa contra eles, de acordo com moradores que conseguiram fugir para o aeroporto.
Os rebeldes do Seleka ficaram confinados aos barracões, mas ainda não foram desarmados. Enquanto isso, as milícias anti-Balaka estão acampadas a poucos quilômetros além dos limites da cidade.
A família Seredangaru, que era respeitada em sua vizinhança, acreditava estar segura ali, disse Abdon. Hoje vivendo com seus familiares em uma pequena cabana feita de paus e sacos, Abdon se perguntou: "Quanto tempo vamos ficar aqui? Eis um ponto de interrogação".
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