Trabalho de Sean Scully no milenar mosteiro de Santa Cecília, em Montserrat, Espanha| Foto: Raul Maigi/Museu de Montserrat

Certo dia quente de junho, diante das escarpadas encostas de Montserrat, Sean Scully, pintor norte-americano nascido na Irlanda, estava caminhando para a entrada de um pequeno mosteiro a uma hora de carro de Barcelona.

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Do lado de dentro, 22 de suas obras, entre as quais seis telas abstratas com as faixas e os blocos de cores que são o traço distintivo de seu trabalho, energizavam um espaço com mais de mil anos de idade.

A inauguração pública dessa exposição permanente dos trabalhos de Scully celebra a completa restauração do Mosteiro de Santa Cecília, fundado entre 942 e 945 como primeiro santuário da ordem beneditina na área de Montserrat.

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Além de servir como consultor da equipe que restaurou o interior do mosteiro, Scully, 70, doou pinturas em tela e sobre alumínio e cobre, substituiu janelas por vitrais, projetou castiçais e pintou afrescos nas paredes. “Essa é provavelmente a exposição mais significativa que eu já fiz”, disse.

“É algo que permanecerá por mil anos”, disse Scully. “Nada pode ser mais elevado que isso”.

Scully está vivendo um bom momento internacional, com obras expostas em Veneza, Dublin e Neuhaus (Áustria). Exposições em Nova York e em São Paulo se encerraram recentemente, e uma retrospectiva de seu trabalho está circulando pela Ásia. Ele abriu uma exposição de novos trabalhos na Provença, França. Uma nova monografia sobre ele saiu em junho, intitulada “Land Sea”.

Os trabalhos de Scully são vendidos por centenas de milhares de dólares, mas o sucesso veio gradualmente. “Ele teve reconhecimento inicial no mercado nos anos 70, mas precisou da maior parte da década seguinte para se estabelecer internacionalmente”, disse Sean Rainbird, da Galeria Nacional da Irlanda, à qual 14 obras de Scully estão emprestadas. “Ele conseguiu construir um bom relacionamento com coleções públicas e colecionadores privados que sempre se mantiveram leais a ele”.

Os colecionadores de suas peças, muitos dos quais admiram a combinação de emoção e técnica que caracteriza o trabalho de Scully, incluem o cantor Bono, do U2, o Museu Metropolitano de Arte de Nova York (Met) e a Tate Gallery de Londres.

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“Sean trata a tela como um kickboxer, como um pedreiro, como um gesseiro”, afirmou Bono por e-mail. “A quantidade de tinta grita sobre uma vida vivida”.

No entanto, foi difícil viver essa vida até o ponto que conduziu Scully ao projeto de Montserrat.

Em um dos extremos do mosteiro, o espaço é dominado por “Holy-Stationes”, um quadro de cerca de seis metros que Scully pintou em 2013. A obra consiste em seis pequenas pinturas abstratas embutidas em uma moldura avermelhada de aço Cor-Ten —segundo o artista, “uma interpretação” das 14 estações da Via Sacra.

O trabalho é uma versão reimaginada de uma série produzida depois da morte da mãe de Scully, Ivy, em 2001. As inserções são formas oblongas em vermelho e amarelo, e suas sombras vão se tornando mais claras à medida que as formas ascendem.

Os pais dele tinham um relacionamento complexo com a Igreja Católica, disse, e sua mãe o tirou da Igreja quando ele era criança.

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“Acho uma vergonha”, diz Scully. “Se você quebra a matriz espiritual de uma criança, o resultado, bem, sou eu”.

Ele se considera religioso? “Sou uma pessoa muito espiritual”, disse Scully. “Acho que me definiria como católico com forte base zen”.

Os quadros dele costumam ser batizados em referência a pessoas de seu passado, o que sugere conexões entre sua vida e arte. Em entrevista ao jornal “The Guardian”, de Londres, em janeiro, ele descreveu os abusos domésticos que sua mãe sofria e os sintomas físicos que a extrema ansiedade lhe causava. “Isso não significa que meus pais não me amassem”, disse. “Mas foi traumático, e o fato é que a arte não vem dos jardins de rosas. Vem do estrago”.

O artista fez sua primeira visita ao Santa Cecília em 2005, com Josep Laplana, diretor do Museu de Montserrat. “Sean não queria fazer uma exposição no museu”, disse o padre Laplana. “Mas entrou no mosteiro, e disse que aquele era o lugar”. É a primeira vez que obras de arte contemporânea são incorporadas ao edifício.

Existem planos para uma série de eventos combinando “arte e espiritualidade” no mosteiro, disse o padre Laplana. “E Scully é um pintor que cria com o coração para o coração”.

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