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Sucesso de Harry Kane no futebol inglês deu força a movimento que prega restrição a contratações | Paul Ellis/Agence France-Presse /
Sucesso de Harry Kane no futebol inglês deu força a movimento que prega restrição a contratações| Foto: Paul Ellis/Agence France-Presse /

Recentemente, um jogador de futebol de 21 anos chamado Harry Kane fez uma estreia espetacular na seleção nacional inglesa.

Ele marcou contra a Lituânia apenas 79 segundos após entrar em campo e foi saudado por uma multidão de cerca de 80 mil conterrâneos no estádio.

O surgimento inesperado de Kane nesta temporada como o principal artilheiro de seu clube, o Tottenham Hotspur, encantou a torcida —principalmente porque ele nasceu e se criou a poucos quilômetros do estádio do Tottenham, no norte de Londres.

Isso também o transformou no símbolo de uma onda antiglobalização. “Quantos outros Kane existem nas escolinhas do futebol inglês que não conseguem jogar no time principal?”, escreveu no jornal “The Guardian” Greg Dyke, presidente da Football Association, órgão que rege o futebol na Inglaterra. “Simplesmente não estamos dando aos jovens talentos nacionais oportunidades suficientes no futebol.”

Mais tarde, Dyke anunciou uma proposta de limitar os jogadores estrangeiros. A primeira divisão do futebol inglês, ele declarou, está rumando para ser “propriedade de estrangeiros, administrada por estrangeiros e jogada por estrangeiros”.

Os economistas há muito tempo indicam o futebol —que se tornou um dos mercados mais globalizados para mão de obra qualificada— como um exemplo dos benefícios da abertura de fronteiras.

A primeira divisão inglesa atrai capital e trabalhadores de todo o mundo e produz um espetáculo consumido por todo o mundo. Os economistas dizem que isso é bom para os jogadores e seus países, inclusive a Inglaterra.

Mas o recrutamento de estrangeiros qualificados provoca uma profunda ansiedade sobre o influxo de imigrantes em um país que nunca se considerou um cadinho de culturas. Uma pesquisa recente da Ipsos Mori descobriu que 45% dos britânicos consideram a imigração a principal questão que o país enfrenta antes das eleições nacionais em maio.

O argumento básico é simples. Há apenas 500 empregos de jogadores na primeira divisão —20 times, cada um com 25 jogadores.

Duas décadas atrás, os ingleses detinham 69% desses empregos. Na última temporada, ocupavam 37%, segundo o CIES Football Observatory. Em comparação, 61% dos jogadores da primeira divisão do futebol espanhol eram espanhóis e 59% dos da divisão alemã eram alemães.

Dyke e seus seguidores dizem que a seleção inglesa está em dificuldades porque menos jogadores têm a oportunidade de aprender seu ofício nos níveis mais altos. O Tottenham emprestou Kane para quatro times menores entre 2011 e 2013, enquanto empregava uma série de estrangeiros caros na posição que ele ocupa hoje. Dyke disse que outros jogadores ingleses talentosos podem estar sendo igualmente desperdiçados.

Dyke convenceu o governo a dificultar a concessão de licenças de trabalho para jogadores estrangeiros. Ele também quer convencer os times a reservar mais vagas a jogadores locais.

Mas há algumas razões importantes para duvidar do argumento de que os jogadores estrangeiros são prejudiciais ao esporte inglês. A primeira divisão é extremamente rentável, e grande parte desse dinheiro vem de outros países. Estrangeiros ricos compram times. Empresas compram patrocínios. Torcedores compram camisas.

“A Premier League tornou-se o produto mais bem-sucedido na história do esporte”, disse Simon Kuper, coautor do livro “Soccernomics”, de 2014, que usa dados para examinar o desenvolvimento do jogo. E a liga inglesa tornou-se a mais popular do mundo, em grande parte porque se tornou a mais global.

O sucesso significa que os jogadores ingleses restantes ganham muito mais que seus antecessores. O salário médio anual nesta temporada é de 2,3 milhões de libras (cerca de R$ 10,6 milhões), segundo uma pesquisa do jornal “Daily Mail”. Em 1992-93, a primeira temporada da atual estrutura, a média era de apenas 140 mil libras (R$ 504 mil), ajustadas pela inflação.

Kane e seus colegas, em outras palavras, se beneficiam da globalização. Os torcedores também. Eles podem assistir a melhores jogadores e melhores jogos, e seus times locais estão entre os gigantes do futebol global. Os cidadãos de Manchester podem se orgulhar do sucesso do Manchester United ou do Manchester City, apesar de ter havido poucos jogadores ingleses nesses times nos últimos anos.

A globalização do futebol começou a se acelerar em 1995, quando um jogador belga, Jean-Marc Bosman, convenceu o Tribunal Europeu de Justiça de que os países da União Europeia não podiam impor limites à contratação de jogadores de futebol da UE. A consequência foi muito mais ampla. No ano anterior à decisão, apenas 6% dos jogadores das principais divisões europeias vinham de fora da Europa. Quatro anos depois, a proporção subiu para 28%, segundo uma análise feita em 2014 pelo economista Chrysovalantis Vasilakis, da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica.

Os economistas veem evidências de que a globalização aumentou o equilíbrio competitivo dos torneios internacionais como a Copa do Mundo, pois jogadores de países menores e menos ricos, como Gana e Uruguai, têm mais oportunidades nos níveis mais altos. Isso sugere que a Inglaterra e outras potências tradicionais estão perdendo terreno, em termos relativos, porque hoje enfrentam uma concorrência mais dura.

Mas é difícil ver a evidência no desempenho da equipe nacional da Inglaterra. O time manteve uma posição relativamente estável na classificação de seleções da Fifa, com uma posição média em 10° lugar. O desempenho da Inglaterra na Copa do Mundo também continuou relativamente constante, embora os torcedores inevitavelmente desejem uma repetição de 1966, quando a Inglaterra sediou e ganhou a Copa.

Charles Kenny, do Centro para Desenvolvimento Global, disse que os jogadores ingleses também lucram com a concorrência maior na primeira divisão.

“A Inglaterra realmente quer ficar na frente no jogo global, mantendo outras seleções embaixo?”, disse Kenny, que é inglês. “Essa parece uma atitude terrivelmente colonialista.”

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