No momento em que o bebê foi trazido à farmácia improvisada, seu peito arfava e sua temperatura estava subindo. O suprimento de oxigênio que poderia ajudar estava inacessível, numa clínica da Médicos Sem Fronteiras fechada pelo governo em fevereiro.
Uma visita ao hospital estava fora de questão; a admissão de muçulmanos Rohingya, uma minoria há tempos perseguida, sempre exige um demorado processo de aprovação tempo que o bebê, uma menina chamada Parmin, não tinha. Em desespero, o dono da farmácia encaminhou a família à clínica Dapaing, o único centro de saúde do governo para as dezenas de milhares de muçulmanos Rohingya acumulados nos acampamentos de desabrigados. As portas estavam fechadas.
Sem outra alternativa, a família voltou à farmácia, onde Parmin morreu.
Sua morte faz parte de uma crise em rápida expansão entre os Rohingya, uma minoria muçulmana que o governo budista de Mianmar vem cada vez mais privando das liberdades e ajudas mais básicas, ao mesmo tempo em que alardeia reformas democráticas.
A crise começou com a expulsão, por parte do governo, da organização Médicos Sem Fronteiras, a salvação de assistência médica para um milhão de Rohingya. O grupo foi expulso do estado de Rakhine após cuidar de vítimas de um ataque a uma aldeia Rohingya que o governo nega ter acontecido. Mas a situação se agravou quando autoridades budistas restringiram outros tipos de ajuda aos acampamentos e ao resto do estado de Rakhine, onde tuberculose, doenças transmitidas pela água e desnutrição são endêmicas.
Tomas Ojea Quintana, que era o representante da Organização das Nações Unidas responsável por direitos humanos em Mianmar até março, diz que a obstrução de ajuda "pode ser constituir crime contra a humanidade".
É impossível avaliar o número de mortes causadas pela ausência de serviços médicos.
"As mortes estão certamente se acelerando", declarou o Dr. Liviu Vedrasco, chefe do grupo de assistência médica da Organização Mundial de Saúde (OMS) em Mianmar.
Um indicador da gravidade da situação: a Médicos Sem Fronteiras vinha enviando cerca de 400 casos de emergência por mês a hospitais locais. Em março, menos de 20 pessoas foram encaminhadas, de acordo com a OMS.
Os Rohingya sempre foram marginalizados em Mianmar, antigamente chamada de Birmânia. Muitos no país de maioria budista acreditam que os Rohingya deveriam ir para Bangladesh, embora muitos não sejam de lá ou venham de famílias que vivem em Mianmar há gerações.
Os acampamentos ao redor de Sittwe, onde vivem mais de 100 mil dos 1,3 milhão de Rohingya em Mianmar, foram montados depois que, em 2012, bairros Rohingya foram queimados na cidade um centro comercial em ruínas na Baía de Bengala. Trabalhadores humanitários dizem que os acampamentos se tornaram pouco mais do que amplas prisões.
Um dos homens mais ocupados nos acampamentos é Chit San Win, que costumava trabalhar como assistente de medicina e hoje é um médico amador.
Ele chegou a um chamado para encontrar Roshan Bebe, de 4 anos, inconsciente, com a cabeça vertendo sangue após ser derrubada por uma moto. Ele veio equipado com ataduras, pomadas e agulha e linha para costurar ferimentos.
A menina sobreviveu, o que Chit San Win classificou como "um milagre".
Mas não houve final feliz para Nur Husain, de 27 anos.
Recentemente, ele apareceu na mesma farmácia onde Parmin morreu. Jogou-se numa cadeira, com falta de ar e febre. Um dos donos da farmácia telefonou para um médico a 600 quilômetros dali, e com seus conselhos injetou quatro medicamentos em Husain. Duas horas depois, o jovem estava morto.
Não ficou claro exatamente o que o matou, segundo um médico ocidental que analisou os quatro medicamentos produtos comumente prescritos para asma. Quase certamente, porém, um monitoramento adequado e o oxigênio administrado pela Médicos Sem Fronteiras o teriam salvado, afirmou o médico, que não quis divulgar o nome por não ter supervisionado o caso.
A família enterrou Husain na praia da Baía de Bengala. O local de seu túmulo era cercado por fileiras e fileiras de outras sepulturas escavadas nos últimos meses.
Colaborou Wai Moe