Eles vêm em busca de uma chance de se vestirem como um soldado conquistador da dinastia Qing, ou para tirar selfies em um dos templos Islâmicos mais importantes de Xinjiang, uma região extensa no extremo noroeste da China.
Porém, os turistas chineses que vão todos os dias ao Mausoléu Afaq Khoja quase sempre estão interessados em apenas uma das criptas em meio a dezenas de outras sob o enorme domo do santuário construído no século XVII. Esse é o túmulo que pertence a Iparhan, uma consorte imperial uigur, que, de acordo com a lenda, possuía um odor tão doce e suave que atraiu o imperador chinês a 4.300 quilômetros, em Pequim ou foi convidada a viver com ele, ou foi trazida ao palácio como um troféu de guerra.
"O amor entre ela e o imperador Qianlong era tão grande que, depois que ela morreu, ele enviou 120 homens para levarem seu corpo de volta para ser enterrado em sua terra natal", contou um guia. "Essa jornada durou três anos".
Porém, um morador da cidade ofereceu uma versão completamente diferente: Iparhan era pouco mais que uma escrava sexual, assassinada pela mãe do imperador Qianlong, depois de se negar diversas vezes a aceitá-lo.
"A história conhecida pela maioria dos chineses é completamente inventada", afirmou o homem, da etnia uigur, que não quis revelar seu nome por medo das autoridades. "A verdade é que ela nem está enterrada aqui".
Quando se trata das minorias étnicas da China, o Partido Comunista faz tudo o que está a seu alcance para mostrar uigures, mongóis, tibetanos e membros de outros grupos como elementos de uma grande família estendida, cujas pátrias tradicionais sempre fizeram parte da nação chinesa.
As outras narrativas incluem contos de sujeição e repressão em meio a iniciativas do governo para diluir a identidade étnica através da introdução de membros do grupo étnico dominante da China, o Han.
À medida que o descontentamento dos uigures em relação ao governo chinês torna-se cada vez mais violento em Xinjiang, essa abordagem propagandista da história local se torna ainda mais importante. Ao longo do último ano, ao menos 200 pessoas foram mortas na região, inclusive muitos hans, assassinados pelo que o governo chama de "terroristas", embora muitos dos mortos sejam uigures, assassinados em circunstâncias obscuras.
Em momentos como estes, parece que Iparhan é tudo o que a China precisa. Embora a história de Iparhan, conhecida pelos chineses como Xiangfei, ou Concubina Cheirosa, se popularizou na primeira metade do século XX, sofreu modificações significativas por parte dos historiadores do partido. A maioria tenta transformá-la em um símbolo da longa amizade entre hans e uigures, cuja cultura centro-asiática, a fé muçulmana e a língua de origem turca os tornam tão diferentes dos hans.
Versos mais antigos da história mostram Xiangfei como uma bela desafiadora, capturada por Qing durante uma batalha, que mantinha adagas escondidas em suas mangas e que se manteve casta até o fim, quando foi morta pelos eunucos do palácio, ou foi forçada a cometer suicídio.
Porém, essa história foi substituído por um conto romântico com final feliz.
Atualmente, Xiangfei é tema de poemas, peças e programas de TV, além de ser o nome de uma cadeia de restaurantes de frango assado e de uma linha de perfumes.
Os propagandistas do partido são especialmente atraídos por personagens femininas que participaram de grandes lutas de poder envolvendo regiões conflituosas nas margens do antigo império chinês.
No Tibet, a personagem é Wencheng, uma princesa chinesa do século VII que, de acordo com o folclore, foi um presente que selou a paz com um violento rei tibetano.
Para a consternação de muitos tibetanos, a princesa Wencheng costuma ser exibida como a responsável por pacificar o Tibet e introduzir na região as avançadas práticas agrícolas e de tecelagem da China, bem como o budismo e até mesmo o alfabeto tibetano. Entretanto, alguns historiadores questionam a existência de Wencheng.
Tsering Woeser, escritora tibetana, afirmou que ficou assustada com as mensagens que exibiam o povo tibetano como selvagens que precisavam de civilização.
Muitos uigures acham a versão popularizada de Xiangfei assustadora, embora sua ira geralmente seja direcionada à apropriação do Mausoléu de Afaq Khoja um santuário sagrado para os sufis, onde um clã que dominou a região de Kashgar está sepultado e sua transformação em uma espécie de cidade cenográfica para a fábula chinesa.
Rian Thum, professor de história uigur na Universidade Loyola de Nova Orleans, afirmou que o governo chinês foi bem sucedido em sua tentativa de moldar a forma como hans e uigures veem o templo, especialmente no que diz respeito a sua associação com os khojas, que combateram os ocupantes qing e estabeleceram um Estado independente por um curto período em meados do século XIX.
"Em seu favor", afirmou, "o governo apropriou-se de um símbolo da resistência uigur e o transformou em veículo para a mensagem que deseja transmitir".
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