O sol acabara de nascer na seção de DVDs da Netflix. Braços metálicos moviam-se em uma caixa de vidro gigante e carrinhos contendo milhões de DVDs estavam enfileirados nas paredes do armazém. Envelopes vermelhos passavam por uma linha de montagem no extremo oposto.
A máquina pegou um envelope da Netflix que voltava para o sistema, abriu-o, identificou e limpou o disco que estava dentro, verificou suas condições e o colocou de volta na embalagem. O disco voltaria então para o armazenamento ou seria enviado para outro cliente.
Aproximadamente 3.400 DVDs passam pela máquina de devolução de aluguel a cada hora, cinco vezes mais do que quando funcionários processavam os discos à mão. Chamada de “Amazing Arm” (Braço Incrível), a máquina simboliza a maneira que a Netflix desenvolveu para manter uma operação rentável de DVDs, mesmo agora que se transforma em um serviço de streaming global.
A Netflix hoje conta com mais de 65 milhões de assinantes de streaming em mais de 50 países e planeja se expandir por todo o mundo nos próximos 18 meses. No entanto, esse crescimento vertiginoso tem um custo: a empresa espera que sua operação de streaming comece a dar lucro globalmente só em 2016, ao mesmo tempo em que continua investindo bilhões de dólares em conteúdo e em sua expansão agressiva.
Um dos negócios que ajuda a manter essa expansão é a operação, muitas vezes ignorada, de aluguel de DVDs por e-mail, vista por muitos como um anacronismo na era de streaming.
A Netflix tem 5,3 milhões de assinantes de DVD nos Estados Unidos, uma queda significativa em relação ao seu pico de aproximadamente 20 milhões em 2010. Mesmo assim, a divisão continua a produzir centenas de milhões de dólares em lucros a cada ano. Nos bastidores, os engenheiros estão tentando melhorar o atendimento e agilizar o processo de trabalho intenso de devolver, organizar e transportar milhões de DVDs toda semana.
O grupo mantém sua base de clientes sobretudo nas zonas rurais, onde serviços de internet são mais precários, e entre as pessoas que querem ter acesso à amplitude de sua seleção. Para manter os clientes —e os lucros que eles trazem— a Netflix continua a desenvolver tecnologias inovadoras que ajudam a cortar custos e a melhorar o atendimento.
“Aceite as mudanças —foi isso que aprendi aqui”, disse Hank Breeggemann, da divisão de DVDs da Netflix.
A história da Netflix está em perpétua mudança. Os executivos de software Reed Hastings e Marc Randolph fundaram a Netflix em 1997 para oferecer aluguel de filmes on-line com entregas pelo correio. O streaming foi introduzido em 2007 e a empresa planeja ser totalmente global até 2017.
A transformação da Netflix passou por momentos difíceis, mas sua evolução tornou-se um exemplo de como as empresas podem se adaptar, tocando seus negócios tradicionais para alimentar o crescimento em novas áreas e se adaptar às mudanças.
O processo exigiu o equilíbrio entre duas culturas, uma com crescimento acelerado e outra em declínio em longo prazo, além de investimento em novas iniciativas, muitas das quais não funcionaram, disseram alguns executivos.
Os obstáculos às vezes são grandes demais, e poucas empresas se arriscam. Hoje, apenas cerca de 10 % das empresas que apareceram na Fortune 500 original, em 1955, permanecem na lista.
“Essa habilidade de seguir em frente quando os ventos mudam é um desafio, e Reed tem feito um trabalho incrível”, disse Tim Armstrong, da AOL, que enfrentou sua transformação própria —de um serviço de internet baseado em assinatura para uma empresa de mídia digital bancada por anunciantes. Quando a AOL foi vendida à Verizon Communications, em junho, a maior parte de seus lucros ainda vinha de seu negócio de assinaturas.
Há quatro anos, Hastings disse que o grande medo era que a empresa não conseguiria migrar dos DVDs para o streaming. A Netflix sofria com sua desastrosa tentativa de aumentar os preços e se dividir em duas empresas —uma de aluguel de DVDs e outra de streaming. Aproximadamente um milhão de clientes cancelaram suas assinaturas, e o preço das ações da Netflix despencou de US$ 300 para US$ 53.
Depois de alguns meses, a Netflix abandonou a ideia da separação. No entanto, nos bastidores, a empresa foi dividida em duas.
A área de streaming concentrou-se em atrair assinantes por todo o mundo e a produzir séries originais como o drama político “House of Cards”. Já a divisão de DVD procurou gerir o declínio de assinantes do serviço postal, tornando-o mais eficiente. Os dois grupos têm equipes de gerenciamento separadas, suas sedes ficam a 40 quilômetros uma da outra e há diferentes incentivos aos funcionários.
A maioria das empresas que se destacam em alguma área, disse Hastings em um post de blog de 2011, e que passam por um período tumultuoso, “não se torna grande em coisas novas que as pessoas querem (streaming no nosso caso) porque tem medo de prejudicar seu negócio inicial”. Porém, disse, “as empresas raramente morrem quando são rápidas; e frequentemente quando são muito lentas”.