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Nas areias do sul do Pacífico, os japoneses enfrentam o passado

Os restos mortais de sete mil soldados japoneses continuam desaparecidos em Guadalcanal, onde um navio japonês foi afundado em 1942 | MARINHA DOS EUA/GETTY IMAGES
Os restos mortais de sete mil soldados japoneses continuam desaparecidos em Guadalcanal, onde um navio japonês foi afundado em 1942 (Foto: MARINHA DOS EUA/GETTY IMAGES)

Usando uma trolha para cavar o solo da floresta tropical, parando apenas para limpar o suor e espantar os pernilongos, Atsushi Maeda mostra o motivo de ter viajado para tão longe para chegar a essa ilha do sul do Pacífico: um osso humano que, com o tempo, adquiriu uma coloração marrom-alaranjada.

O rapaz de 21 anos estava procurando os restos mortais dos soldados japoneses desaparecidos no local onde aconteceu uma das batalhas mais violentas da Segunda Guerra Mundial. Muitos já fizeram esse mesmo trabalho antes, na maioria veteranos e parentes, mas o jovem fazia parte de um grupo de universitários e jovens profissionais, quase todos com menos de 40 anos e sem relação nenhuma com os homens mortos ali. Eles o fizeram para honrar os conterrâneos, muitos dos quais da mesma idade que eles próprios. O grupo também estava em busca de respostas. "Essa rapaziada que morreu aqui achava que estava defendendo a família e os entes queridos. Precisamos redescobrir seu sacrifício e aprender com eles", afirma Maeda.

Com a aproximação do 70« aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, cresceu o interesse entre os jovens japoneses sobre a guerra que o país tenta esquecer.

O fenômeno vai além dos limites da política e inclui os progressistas que criticam a futilidade do conflito, e os conservadores, que questionam os registros das atrocidades cometidas pelo país naquela época.

O principal motivo para tal interesse é a hostilidade dos chineses em relação ao Japão sobre o controle das ilhas do mar da China Oriental – e apesar das manobras diplomáticas mais recentes, a ansiedade em relação à atitude do país vizinho continua alta.

Kankoh Sakitsu, de 42 anos, lama principal de um templo budista de Tóquio que organiza excursões a Guadalcanal, confirma o aumento do interesse dos jovens depois da primeira viagem, em 2008. Desde então, ele organizou mais três expedições, incluindo a de setembro último.

Sakitsu foi a Guadalcanal a primeira vez para rezar nos locais de batalha por pura contrição, pois acredita que o Budismo japonês não se opôs à guerra.

Já na ilha, ficou chocado quando um colecionador de relíquias lhe mostrou os ossos de soldados japoneses – e decidiu ali mesmo sair à procura dos restos mortais de cerca de sete mil homens que continuam desaparecidos em Guadalcanal, vítimas da batalha que começou em agosto de 1942, durou seis meses e ajudou a virar o conflito no Pacífico a favor dos EUA.

Aproximadamente 22 mil japoneses e sete mil norte-americanos morreram ali. Ao perceber que os veteranos estavam ficando muito velhos para continuar a procurar 1,1 milhão de japoneses ainda desaparecidos, Sakitsu teve a ideia de tentar envolver a nova geração.

"Não é uma questão de nacionalismo ou ideologia, mas da redescoberta dos sacrifícios de soldados comuns, que não eram muito mais velhos que alguns de nossos membros quando morreram", diz Sakitsu.

A guerra deixou um saldo de três milhões de japoneses mortos, entre militares e civis. Durante as duas semanas que ficaram em Guadalcanal, os 27 membros da expedição encontraram trinta corpos, quase todos esqueletos incompletos. O grupo passou uma tarde cavando a encosta onde, 72 anos antes, soldados japoneses em retirada montaram um hospital de campo. Em meio aos ossos – tão frágeis que se partiam em pedaços se pegos com muita força – os jovens encontraram botões, óculos e até uma escova de dente.

Sakitsu comenta que o grupo de setembro foi especial porque contou com um dos últimos sobreviventes da batalha: Junshiro Kanaizumi, de 95 anos, um engenheiro que ajudou a abrir as estradas na selva.

Kanaizumi disse que não duvidava ter conhecido o homem que agora se via reduzido a uma pilha de ossos à sua frente.

"Espero que esses meninos aprendam a realidade miserável da guerra. Depois que eu morrer, quem vai dizer a eles que a única lição aprendida é não repeti-la nunca mais?"

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