Saad al-Tammimi trabalha há 40 anos nas ferrovias do Iraque, uma carreira que o levou a todos os cantos do país e do Oriente Médio. Agora, porém, ele só pode ir de Bagdá para Basra, cruzando a área relativamente calma dominada pelos xiitas no sul deste país devastado pela guerra.
"Se temos um problema e precisarmos parar, é seguro", disse ele recentemente enquanto seguia sua rota de trem regular. "Até os sunitas se sentem confortáveis na viagem para Basra".
Com tanta violência, negligência e disfunção política, há anos que os trens de passageiros só saem de Bagdá em direção a Basra. Grandes ambições para unir o país pela ferrovia começavam a tomar forma. Trens de carga transportavam mercadoria por todo o Iraque, e há alguns anos houve testes de uma nova linha entre Mosul e a Turquia. Mas como os militantes do Estado Islâmico avançam em todo o país, esses esforços foram interrompidos.
O novo trem de Tammimi deixa a estação ao entardecer e atravessa o bosque da cidade. Ele quase beija os toldos das lojas e das casas ao longo dos trilhos, onde famílias acenam à sua passagem, meninos jogam futebol e o lixo é queimado, antes de chegar à área rural do sul, passando por intermináveis fileiras de tamareiras, em uma viagem noturna.
Lá dentro, há o luxo das viagens de primeira classe, incluindo TVs de tela plana e frigobares nas cabines. Jovens recrutas do exército, respondendo ao chamado às armas de seus líderes religiosos xiitas, estão a caminho do treinamento básico, e lotam o vagão restaurante bem iluminado.
O novo trem, construído na China, é um pequeno sinal de progresso o dinheiro do petróleo gasto em prol do interesse público em um país consumido pela violência e pela corrupção que está rapidamente se desfazendo diante de um ataque de militantes sunitas do grupo Estado Islâmico, também chamado de EIIL.
A região já foi ligada por trens; a construção de linhas ferroviárias era central para as ambições imperialistas das potências europeias Alemanha, Reino Unido e França que queriam exercer sua influência no Oriente Médio, quando a região era parte do Império Otomano. Recentemente, a violência sectária tem dilacerado diversas sociedades, e as áreas atendidas por trens vêm diminuindo constantemente.
"Antes era diferente," disse Ahmed Ali, que há 31 anos trabalha para a Rede Ferroviária da República do Iraque. "Eu costumava ver pessoas instruídas ou sem instrução, atores, poetas, o pobre homem. Muitos grupos diferentes. Agora, tudo acabou".
Ali recordou viagens para Mosul, aonde ia para visitar os famosos santuários da cidade e comprar pistache para trazer para sua família em Bagdá. Durante meses, Mosul, a segunda maior cidade do Iraque, está nas mãos de militantes, e muitos desses locais históricos foram destruídos.
Noite sim, noite não, um trem construído pelos franceses que funciona há quase três décadas faz a mesma viagem. Esse trem pode não ter muitos confortos, mas possui o charme de seus assentos de veludo e painéis de madeira.
Ehab al-Shiekhly parou sob o candelabro no grand foyer da Estação Central de Bagdá, construída pelos britânicos e inaugurada em 1953.
"Às vezes fico aqui para tirar fotos da cúpula", disse Shiekhly, de 41 anos e que trabalha na estação desde sua adolescência. "Isso tudo me lembra dos velhos dias do Iraque, quando era mais seguro".
A própria estação é uma cápsula do tempo. Uma placa diz: "Reservas para o trem de Mosul". Há a cabine onde os passageiros compravam passagens para a Turquia, a Síria e a Província de Anbar.
"Agora você só chega a esses lugares em tanques ou caças a jato", disse Ahmed Abdulrahman, de 50 anos, que trabalha na estação desde o final dos anos 70.
Ali Abdul Hussein, trabalhador ferroviário há 24 anos, recorda-se do velho bar do trem. Lá, durante o governo secular, mas brutal do Partido Baath de Saddam Hussein, a bebida preferida era o uísque Grant. Hoje não há álcool, um reflexo dos costumes religiosos que dominam a vida iraquiana desde 2003.
Agora que o país está sendo dividido pela insurgência, muitos funcionários das ferrovias sonham em uni-lo mais uma vez.
Em seu escritório na estação, o gerente de projeto Hamid Ali Hashim traça uma rota de Jalawla, cidade no nordeste do país que luta ferozmente contra os militantes do EIIL, para Sulaimaniya, no norte curdo, passando por Mosul. Isso é parte de um ambicioso projeto de US$ 60 bilhões que, nessa fase, só pode ser chamado de sonho, e que, segundo Hashim "significa que todas as vilas e cidades no Iraque estariam ligadas".
"Esse é o objetivo", disse ele, com um grau de otimismo raro no Iraque atual.
Omar Al-Jawoshy e Falih Hassan contribuíram com a reportagem
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