Emily St. John Mandel não parece ser do tipo paranoico. Alegre e inacreditavelmente bem disposta, ela passa o tempo livre cuidando das flores que tem em um jardim de cobertura no Brooklyn e tentando melhorar seu francês básico. No fim do ano passado, porém, começou a temer pelo fim da civilização e, mais ainda, pelo cansaço das editoras em relação ao tema. É que estava oferecendo seu novo livro, "Station Eleven", que se passa em um futuro próximo, depois que uma epidemia de gripe dizima quase toda a humanidade.
"Quando comecei a escrever, havia alguns romances de tema pós-apocalíptico, mas não esse volume inacreditável de hoje. Fiquei com medo de que o mercado pudesse estar saturado", ela confessa. Não estava. Durante três dias, houve uma verdadeira guerra de ofertas entre editoras e a obra acabou sendo vendida a Alfred A. Knopf, que pagou algo em torno do meio milhão de dólares de adiantamento, muito mais do que Emily ganhou com os três livros anteriores juntos.
"Estamos vivendo tempos de tensão e a ficção pós-apocalíptica é uma forma de canalizar nossas ansiedades", filosofa. De fato, "Station Eleven" faz parte de um lote de histórias do gênero que está chegando às livrarias e que refletem as ansiedades do nosso tempo: epidemias, catástrofes ambientais, falta de fontes de energia, agitação civil. São trabalhos em que literatura e a ficção se mesclam e parecem voltados tanto para os leitores de ficção científica como os fãs de obras mais experimentais.
O inédito "The Book of Strange New Things", de Michel Faber, por exemplo, se passa em um planeta distante no qual um missionário cristão pretende converter seus habitantes, enquanto a mulher, grávida, ficou na Terra e sofre com uma série de desastres mundiais.
Howard Jacobson, ganhador do prêmio Man Booker, abandonou seus temas cômicos habituais para produzir "J", romance sombrio sobre uma sociedade futurista destroçada de cujos membros foram suprimidas as lembranças de uma terrível catástrofe histórica. Na nova obra de David Mitchell, "The Bone Clocks", a narrativa se estende a 2043, ano em que os depósitos de combustíveis fósseis estão se esgotando, há falta de alimentos e remédios e o aquecimento global começou a derrubar governos.
"Está no ar, né?", diz ele sobre a preocupação com o fim do mundo. "Como é possível se manter são e compassivo e não cada vez mais assustado com o que está acontecendo ao planeta e com o possível fim da civilização?"
Embora alguns críticos tenham começado a reclamar da saturação do gênero, editoras, agentes e escritores continuam apostando que o apetite do leitor por cataclismos está longe de ser saciado.
A leva atual, porém, trata o tema sombrio com delicadeza; nesses tomos, o apocalipse se torna mais um cenário que um ponto na trama.
Em "Station Eleven", o colapso da civilização é apenas um aspecto de uma narrativa multifacetada que abrange várias décadas, desde o período pré-epidêmico a vinte anos após o desastre. Nela, a autora oferece as mais diversas perspectivas: um ator que morre durante uma apresentação de "Rei Lear", no auge do surto; o paparazzo que vira paramédico que cuida dele e uma jovem que entra para a companhia depois de perder a família, entre outras.
"Eu quis escrever uma carta de amor ao mundo moderno e uma maneira de abordar todas essas coisas que damos como certas é escrevendo sobre sua ausência. As pessoas querem o que há de melhor no mundo; claro que isso é subjetivo, mas, no meu caso, incluiria as peças de Shakespeare", conclui ela.