Como seu famoso apetite pela dança e pelo sexo, a fome de Rudolf Nureyev pelas coleções era insaciável. Em 1983, quando tinha 45 anos e se tornou o diretor do Balé de Ópera Nacional de Paris, ele era o astro da dança e um homem riquíssimo, com casas cheias de preciosidades ao redor do mundo.
Agora, vinte anos depois de sua morte, causada pela Aids em 1993, finalmente a Coleção Nureyev foi inaugurada no Centre National du Costume de Scène, museu nacional que reúne figurinos de balé e teatro em Auvergne, para se tornar o "lieu de memoire", ou "lugar de memória" que Nureyev pediu em seu testamento.
Moulins fica no centro da França, a três horas de trem da capital e não deixa de ser uma escolha surpreendente, afinal Nureyev pediu que sua coleção ficasse em Paris, sua cidade favorita; porém, a dificuldade em se achar o local certo e os preços cada vez mais salgados das propriedades dificultaram ainda mais as buscas, explica Charles Jude, antigo astro do Balé de Ópera de Paris e que hoje trabalha na Fundação Rudolf Nureyev.
Em 1995, a maior parte dos milhares de objetos de Nureyev foi vendida em leilões que ganharam grande publicidade em Londres e Nova York; a fundação guardou uma pequena parte dos pertences, dos quais o museu recebeu 300 peças, como conta Delphine Pinasa, a diretora. Algumas peças foram para outro museu, em Ufa, na Rússia, onde Nureyev cresceu; já os documentos e gravações foram para o Centro Nacional da Dança e os diários pessoais, para a Bibliothèque Nationale.
A coleção de Moulins é exibida em três salões grandes, separados do principal espaço de exposições do museu. No primeiro estão os figurinos mais famosos, expostos em cabines de vidro; alguns eram do próprio Nureyev, sendo talvez o mais importante o casaco curto azul claro que usou logo após sua deserção para o Ocidente, em 1961, para dançar "O Quebra-Nozes". Há também roupas dos balés dos quais participou, como o conjunto no estilo dos anos 20 que Hanae Mori fez para Sylvie Guillem em "Cinderela" e a túnica de seda bordada a ouro do guerreiro e herói Solor em "La Bayadère".
A caminho do terceiro salão, o visitante passa por uma galeria dominada por dois pôsteres enormes de um Nureyev bem jovem em um deles aparece saltando, em pleno ar, as mãos fechadas e o cabelo voando, em Cannes, em 1961; no outro, usando um casaco e capa de couro. Há também várias fotos de família inéditas de quando era bebê e ainda garotinho.
O grand finale é a sala que reproduz parte do apartamento do bailarino no 23 Quai Voltaire, em Paris e possuía tantas riquezas que mais parecia um museu: tapetes kilim no chão e sobre as mesas, paredes cobertas de couro Cordovan, móveis feitos de madeira de bétula Karelian rara, pinturas de nus masculinos e gravuras do século XVI.
A galeria está cheia de peças belíssimas e de valor incalculável um robe de seda, uma espineta do século XVIII, a miniatura de um vagão de trem além de mais objetos pessoais, como a batuta, o metrônomo e o fraque que usava para reger depois que parou de dançar; uma jaqueta de couro dourada que faria sucesso em qualquer discoteca e uma mala de viagem surrada, também de couro.
A tendência ao excesso, a paixão pela beleza e a pressão psicológica do exílio levaram Nureyev a continuar comprando, mesmo quando se recusava a aceitar a ideia de um lar permanente.
"Eu só tenho um sonho", revelou Nureyev a um repórter que o entrevistou em seu apartamento. "Quero que um dia minha mãe venha me visitar. É por ela que estou esperando."
Ela nunca chegou a ver o lugar onde o filho morava.
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