Durante mais de uma década, a primeira-dama afegã, Zeenat Karzai, ficou praticamente invisível. Isolada por trás dos muros do palácio presidencial, dava a impressão de ter abandonado a carreira de médica e raramente era vista em público ao lado do marido, o presidente Hamid Karzai.
O novo líder, Ashraf Ghani, já deixou claro que vai fazer o contrário. Durante o discurso de posse, sua voz tremeu de emoção ao mencionar a "amada esposa e parceira para vida", a libanesa Rula Ghani.
Ouviu-se um murmúrio na multidão, reconhecendo o momento simbólico. Muitos afegãos não gostam de falar de suas mulheres com outros homens em conversas particulares, quanto mais em público. E Ghani não só apresentou a sua ao povo, mas anunciou que ela terá a função de defender as mulheres, crianças e os desalojados internos.
Entre os afegãos que defendem mais liberdade feminina, principalmente os que moram nas cidades, a ocasião foi digna de comemoração. "Além de dizer o nome dela, ele o fez com orgulho. Foi um passo importante para o país", diz Hasina Safi, da Afghan Womens Network.
E como era de se esperar, os conservadores religiosos criticaram. "Ninguém a viu se converter ao Islamismo. Acredito que sua missão seja converter o povo ao Cristianismo", afirma Maulavi Habibullah Hasham, da mesquita Bagh Bala de Cabul. Rula é cristã, conheceu o marido em uma universidade em Beirute, no Líbano, nos anos 70, e foi com ele para os EUA.
Os comentários dos clérigos repetem as calúnias de que os adversários de Ghani lançaram mão durante a campanha eleitoral.
A exposição pública de Rula começou com um discurso breve na comemoração do Dia Internacional da Mulher, em março. Em um dari hesitante, ela exaltou a importância do papel tradicional da mulher como dona de casa e mãe, mas também sugeriu que "suas habilidades poderiam ser usadas fora de casa".
O poderoso governador Atta Mohammad Noor foi quem liderou os ataques que se seguiram, ao mesmo tempo em que alegações mentirosas começaram a circular nas redes sociais como a montagem mostrando Ghani rezando em uma igreja e acusações de que Rula seria uma espiã israelense.
A polêmica serviu para mostrar que, apesar de todos os progressos feitos no país na última década o nível de educação das mulheres que disparou, a sólida representação no Parlamento, entre outros os obstáculos permanecem.
Rula estudou em Paris, Beirute e Nova York, onde se formou pela Universidade Columbia. Os amigos dizem que a atitude dela é mais tranquila e controlada que a do marido. "Se não fosse pela sabedoria dela, Ghani não teria chegado aonde chegou", revela Seema Ghani, amiga da família.
E garante também que ele é feminista por convicção. "A avó, muito autoritária, teve uma influência muito grande sobre ele. Sempre foi o primeiro a dizer: A mulher tem que ser respeitada pelo que é, não como mulher, irmã ou esposa. Isso vindo de um afegão é uma raridade".
Deixe sua opinião