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O sistema falido do Iêmen deixa milhões de crianças famintas

Os quatro filhos de Huda bin Nasser, incluindo Hadiya, estavam desnutridos | The New York Times
Os quatro filhos de Huda bin Nasser, incluindo Hadiya, estavam desnutridos (Foto: The New York Times)

O médico de uma clínica rural paupérrima decidiu estender sua carga horária de dois para cinco dias/semana para lidar com o alto número de crianças de rosto encovado que apareciam ali todas as manhãs.

No ano passado, dois meninos estavam tão mal que não conseguiram ser salvos. Abdu Ali Saad guardou as fotos de ambos – um de dois anos e outro de quatro – no celular, lembrete dos perigos que os pequenos enfrentam no interior do Iêmen, há muito negligenciado, mas atualmente mais esquecido do que nunca.

"É todo dia assim", diz ele, aproximando-se dos pais, alguns dos quais tiveram que caminhar várias horas para chegar à clínica, e cuja aparência não era muito melhor que a dos filhos.

O Iêmen é o país mais pobre o Oriente Médio, dono de uma das taxas de desnutrição infantil mais altas do mundo.

A instabilidade política causada pelo levante de 2011 contra o ex-presidente Ali Abdullah Saleh deixou o governo, que já era frágil, ainda mais incapaz de cuidar de seus cidadãos indigentes. Problemas que eram crônicos se tornaram emergências quando a presença do Estado em grande parte do país começou a se desintegrar.

De acordo com Daniela D’urso, diretora da agência humanitária da Comissão Europeia, um milhão de crianças com menos de cinco anos, ou mais ou menos um terço dessa faixa etária no Iêmen, sofre de desnutrição grave.

Isso significa que, para dois milhões delas, a condição já é crônica. Quase 60 por cento dos pequenos iemenitas são afetados pelo atraso constitucional de crescimento segundo membros da saúde pública – que, por sua vez, notaram outras tendências preocupantes, incluindo o aumento de casos de doenças como a tuberculose.

Várias disputas enfraqueceram ainda mais o país; a mais recente começou com a ascensão dos houthis, grupo rebelde da região norte que conseguiu chegar à capital há alguns meses, assumindo o poder e afetando a autoridade do governo.

"O Iêmen se tornou um Estado fraco, incapaz de oferecer segurança ou serviços sociais a seus cidadãos", afirma Jamal Benomar, enviado da ONU ao país e que há dois anos vem tentando estabelecer um plano de transição, com o apoio das nações do Golfo Pérsico, que parece mais ameaçado a cada dia que passa.

O desespero era evidente na visita recente a diversas regiões centrais e meridionais. A viagem foi organizada pela International Medical Corps, ONG que dá apoio a dezenas de clínicas e oferece treinamento a voluntários que se habilitem a ir aos vilarejos mais distantes, onde não há instalações hospitalares.

As pequenas comunidades não oferecem nenhum conforto. Em Raqqa, a meia hora de carro da clínica do Dr. Saad, tudo é muito importante para ser jogado fora: um pneu vira balde, latas se transformam em alimentadores de pássaros ou um brinquedo improvisado para algum garotinho. A maioria dos homens fica em casa, desempregada e sem perspectivas.

E embora eles estejam ociosos – ou gastando parte do orçamento doméstico em khat, um estimulante muito popular por aqui – suas mulheres se encontram nos milharais, fazendo um trabalho cansativo que não paga salário, apenas compensação em fardos de palha, usada para alimentar as ovelhas.

Desde muito cedo, as crianças recebem uma dieta constante de pão, arroz e até chá, explica Munira Nasser, uma das moradoras. Carne ou peixe é luxo que acontece uma vez por mês. Verduras e legumes são um pouco menos caros, e podem ser comprados uma vez por semana.

"Não há empregos. Tudo é muito difícil", lamenta ela.

E em breve as coisas podem ficar piores.

O país está enfrentando a ruína financeira, com diplomatas e autoridades dizendo que o governo talvez nem tenha o suficiente para pagar os funcionários públicos.

A desvalorização da moeda é iminente e, com isso, subirão os preços dos produtos básicos, inclusive alimentos, que o Iêmen importa.

O país também vem sendo prejudicado por decisões fora de seu controle, entre elas a decisão, em 2013, da vizinha Arábia Saudita de deportar centenas de trabalhadores iemenitas, secando assim uma importante fonte de remessa de dinheiro e fazendo subir a taxa de desemprego para aproximadamente 50 por cento.

Como se não bastasse, os sauditas começaram a cortar bilhões de dólares em ajuda ao Iêmen, sinal de sua insatisfação com os houthis, que consideram clientes do Irã, rival regional de seu monarca.

O impacto devastador da crise fica bem aparente na pequena casa de Huda bin Nasser, uma jovem mãe que mora no vilarejo de Sheikhain, perto de Taiz, na região central.

A família obtém a alimentação básica — ovos e leite – da vaca e da galinha que vivem na cozinha, mas outros tipos de alimentos são raros.

Os quatro filhos da moça estão desnutridos, sendo que o caso mais grave é o da caçula, Hadiya, que recebeu tratamento dos voluntários da International Medical Corps.

"A crise humanitária no Iêmen não tem precedentes", afirma Daniela D’urso, diretora da agência humanitária da Comissão Europeia.

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